Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
O calcanhar da serpente
Shoe in Bikini, por David Bailey
Algumas vozes sussurravam o que meio mundo pensava sem certezas. Murmurava-se, a meia voz, que o seu calcanhar de Aquiles era a irresistível tentação do prazer, como se o prazer fosse, directa e inequivocamente, sinónimo de pecado. Como se o nosso criador - fora este uma entidade divina ou qualquer fenómeno bigbanguiano do domínio da física e da ciência - tivesse decidido criar-nos com centros de prazer por mero divertimento sádico, apenas para nos fazer penar pela imposição de um chavascal de proibições, inibições e outras ões que tais. Era jovem, inteligente, avassaladoramente irresistível, adorava viver, sentir e partilhar a sensação de estar viva, no auge da vida, no contínuo êxtase de quem vive a vida como um contínuo orgasmo. A inveja, essa cobra de pele seca e dura, cuspia veneno pelas ruelas gélidas e escuras dos dias sem luz e sem tesão. Quando a noite chegava, descia as persianas e imaginava os saltos altos a espetarem as coxas musculadas dos arautos do pecado e sentia, sentia, sentia sem parar, odiava-se por sentir o doce sabor da maçã sem sequer a poder provar.
Nadja Auermann, fotografada por Seb Janiak