Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Um dia de merda
Entras, tarde e a más horas, naquela que será provavelmente a última carruagem de metro que te levará a casa. Um dia de merda, uma noite curta demais para as horas de sono que te faltam. A carruagem está praticamente vazia. Sentas-te a dois lugares de distância de uma mulher jovem. Olhas melhor. Ela, ou vem de um jantar chique, ou vai para uma festa ainda mais requintada. Bem vestida, sexy, enleante. Fixa-te nos olhos. Não percebes. Estás suado, desgrenhado, arrasado. Fixa-te mais ainda. Como uma presa indefesa desvias o olhar. Pensas que só queres dormir, com sorte ver os teus filhos de manhã cedo, dar um beijo à mulher, voltar para uma carruagem agora cheia de gente. Fixa-te como se nada mais houvesse no emaranhado de túneis que percorrem. Pensas que só queres dormir mas já não sabes se é isso que queres. Começas a sentir. Desejo, mistério, a atracção do desconhecido. Uma ligeira irritação pelo olhar penetrante e o deserto de palavras. Arriscas:
- O que queres?
- Olhar-te.
- O que procuras?
- Nada.
- Se nada procuras não percebo porque me olhas dessa forma.
- Eu não percebo porque te incomoda o meu olhar.
- Não é comum fixarmos o olhar em estranhos, nos olhos deles.
- Eu não sou uma mulher comum.
- Já percebi isso.
- O que achas que procurava?
- Se soubesse não te colocava a questão.
- Um homem pensa sempre em sexo, não é?
- Sim, talvez.
- Tens razão. Vai-te foder.
A composição do metro parou e ela saiu. Sem uma palavra, um esgar, com o olhar perdido no nada. Um dia de merda.