Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Este país não é para velhos (pérola 2) - A sorte grande
Cormac McCarthy e os irmãos Cohen, realizadores de "No Country for old men"
"As pessoas julgam que sabem o que querem, mas geralmente não sabem. Às vezes, quando têm sorte, acabam por alcançar o que querem, no fim de contas. Eu sempre tive sorte. Na minha vida inteira. De outra forma, não estaria aqui. Rixas em que me vi metido. Mas aquele dia em que a vi sair do bazar do Kerr e atravessar a rua e ela passou por mim e eu levantei o chapéu para a cumprimentar e ela me retribuiu com um quase sorriso, esse foi o momento da minha vida em que a sorte mais me bafejou. As pessoas queixam-se das coisas más que lhes acontecem e que acham injustas, mas raramente falam das coisas boas. Raramente falam do que fizeram para merecer essas coisas. Não me recordo de alguma vez ter dado ao bom Deus assim tantos motivos para me abençoar. Mas ele fê-lo."
O trecho acima é um feliz exemplo das reflexões do Xerife Bell que percorrem toda esta obra de Cormac McCarthy . Dir-se-ia que o autor usa o velho xerife como um alter ego. As páginas em que o exausto cumpridor da lei desenrola o novelo da sua vida são - como o são todas as palavras escritas por qualquer escritor - o livro aberto da vida e do pensamento de McCarthy. É desesperante a ingratidão com que aceitamos o que de bom a vida nos concede. O foco incide invariavelmente na maior desgraça ou no menor contratempo, procuramos os motivos de uma vida falhada como quem busca a infelicidade eterna.
Não sei se este modo de encarar a vida é bem portuguesinho, ou se atravessa fronteiras. Ou melhor, desconfio que o "cá se vai andando", o "menos mal, obrigado", a própria música que tão bem nos retrata "com a cabeça entre as orelhas", mais não são que bem entranhados legados de uma religiosidade doentia e mal aplicada. "Venham a mim os desgraçadinhos" não é o mesmo que apelar "venham a mim os pobres de espírito". Há que descer do Monte das Oliveiras e abraçar a vida sem o eterno anseio protector pela mão que embala o mundo.