Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
O romantismo leonino engarrafado em 1997
Acompanhado por um Quinta do Mouro de 1997 – um tinto fantástico, sedoso, gordo, frutadamente aromático, como se os anos só lhe tivessem aprimorado a classe – assisto a esse derbie transcendente que é o Sporting-Portimonense. O vinho devolve-me ao romantismo dos gloriosos tempos do leão, as lentes “esverdeiam” à medida que o nível da garrafa vai descendo. Izmailov, com aqueles pés de veludo e aquele jeito de tocar a bola qual silencioso assassino dos cárpatos, assume-se como o filho pródigo que nunca esquecemos. Postiga, com um cabeceamento mortífero faz-me crer estar na presença do milagre da recuperação do ponta de lança que nunca vimos nele. Patrício, felino e com aquela expressão enlouquecida que marca indelevelmente os guarda-redes que recordamos, aproveitou o final de época para nos trazer reminiscências de Vítor Damas. Ingenuamente, Yannick insiste em instalar-me no espírito uma vozinha longínqua que me diz que não mais devo duvidar das suas qualidades. Torsiglieri foi pouco testado, mas tem pinta de estrela de cinema e isso deve valer alguma coisa. Depois, e sobretudo, a esperança - num Sporting melhor, numa troika salvadora, em néctares que façam de mim um ser humano mais romântico.
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David Bowie & The Arcade Fire - Wake Up
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É o que se chama não perder tempo
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A ameaça
Arte por Phil Hale
São as bombas artesanais que se aprendem a construir on-line, os predadores sexuais que espreitam criancinhas indefesas ali ao virar da esquina da janelinha do chat, os fanáticos religiosos que contaminam as mentes puras dos jovens com mensagens de vergonhosa intolerância, as já esquecidas colegas da faculdade que ressuscitam na libido de indefesos pais de filhos em presentinho oferecido pelos tentáculos do facebook, todo um manancial de ameaças que a rede, a maldita Internet, disponibiliza e potencia. Somos assim tão ingénuos? São os paizinhos assim tão impreparados? É a carapaça das esposas e dos esposos à tentação assim tão frágil? Provavelmente, provavelmente.
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O voo real de Falcão e o voo rasante da águia que já foi real
Graças aos nossos queridos amigos da troika, cheguei a casa e estavam a terminar as duas meias finais da Liga Europa. Vistos os resumos, diria que o Benfica arrisca-se a falhar o regresso à sua história passada e o Porto volta a negar que pertence a um campeonato mediano, elevando-se à altura dos grandes clubes europeus. Este Porto não é deste campeonato, este Falcão não é para consumo interno, este Villas Boas se não é especial, disfarça muito mal. Agora vou descansar que o raio da troika suga-me as energias todas. Resta saber se não vai sugar ainda muito mais do que isso…
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Real Madrid 0 - FC Barcelona 2
Os ódios de estimação futebolísticos têm geralmente a sua origem num processo de maturação progressivo, despoletando-se a certeza desse visceral rancor com um acontecimento isolado no tempo. Já há algum tempo que aquele futebol rendilhado, perfeitinho, feito de triangulações intermináveis e irritantes que têm como única missão servir Leo Messi, me anda a mexer com os nervos. Compensava essa irritação crescente o facto de admirar Pep Guardiola, a sua inteligência e cavalheirismo, o seu esforço para afirmar o intelecto como chave decisiva para o sucesso desportivo. Hoje e nos dias que antecederam este jogo a máscara de Guardiola caiu por terra. A inteligência deu lugar ao maquiavelismo medroso, o cavalheirismo deu lugar à arrogância dos que se julgam intocáveis. Mourinho faz bem pior? Pois faz, mas não tenta parecer quem não é, assume-se como um provocador e um especialista em mind games. Guardiola foi rasteiro e cobarde ao trair aquilo que assume ser, ao mostrar todo o seu medo de perder que resultou em esforços lamentáveis na pressão sobre o árbitro do jogo. Quanto aos jogadores do Barça será difícil esquecer as inúmeras fitas, as queixas grupais junto do árbitro, as provocações constantes de crianças irritantes e convencidas.
Independentemente das circunstâncias do jogo, para mim este estava já decidido mesmo antes de começar pela ausência do melhor central do mundo, Ricardo carvalho. Depois, é de elogiar o esforço e o sangue frio de Cristiano Ronaldo, mostrando que a maturidade competitiva poderá torná-lo ainda melhor jogador. Mourinho não foi feliz nas opções do onze inicial, parecendo sempre curto sacrificar Ronaldo no lugar de ponta de lança, quando há Adebayor, Benzema e Higuain no banco. A expulsão por críticas ao árbitro, apesar da justeza das mesmas, não faz jus à inteligência de um especialista em gestão de emoções. Quanto a Pepe, injustamente expulso por um lance de pé em riste, tem rapidamente que inverter o sentido da sua carreira, isto é, a sua expulsão deve-se ao facto da sua fama preceder o juízo dos árbitros sobre as suas acções. Tudo se paga Pepe, tudo se paga.
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O grito do Ipiranga que muito boa gente devia experimentar
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A culpa é dos políticos - Saudades dos sonhos de Abril
A culpa é dos políticos porque traíram a sua razão de ser, porque negociaram o bem público em troca de benefícios privados, o interesse de todos pelo interesse de alguns. Porque não sabem nem se dedicam a gerir os seus Ministérios, Direcções-Gerais e Institutos, mas sim a gerir a imagem, as sondagens e o seu status quo dentro do seu espectro político. Porque não interiorizam que as despesas públicas, as despesas que autorizam e promovem são despesas do seu e do nosso dinheiro, porque desconhecem e abominam o conceito de custo-benefício, porque um escudo para eles não é um escudo. A culpa é dos políticos porque não se comportam como representantes de quem neles votou, porque não têm outra experiência profissional que não a das juventudes partidárias, dos gabinetes e outros viveiros políticos, porque nunca estiveram atrás de um balcão ou a gerir esse mesmo balcão, porque não conhecem o país e a sua realidade, o que naturalmente conduz ao desconhecimento do que é preciso mudar no tecido social e empresarial português. A culpa é dos políticos porque a sua grande luta é a manutenção no poder, a defesa dos seus apaniguados, a preparação do seu futuro na gerência das empresas que hoje beneficiam em prejuízo dos interesses do país. A culpa é nossa, ignorante rebanho de eleitores que elegemos estes políticos.
Este texto é um grito de saudade das esperanças e sonhos que nasceram com o 25 de Abril de 1974, um grito para que os políticos se envergonhem e nos devolvam os sonhos, um grito para que passemos, todos nós, a exigir melhores políticos. Para que a liberdade faça sentido.
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Esben and the Witch - "Marching Song"
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Pérolas da blogosfera - Semana Santa
Pensei em escrever algo sobre a Páscoa, os ovos de chocolate, a parvoíce dos coelhinhos de chocolate. Algo sarcástico. Porquê não sei bem, será desta sensação de sofrida religiosidade que nos torna ainda mais cinzentos? Ou talvez seja para me vingar das forçadas confissões da infância no silêncio da madeira do confessionário escuro e triste, talvez uma desforra do interminável bocejo do padre que escutara demasiadas confissões de miúdos traquinas, desses irrelevantes pecadores. Pecado é querer que as crianças não pequem, que sejam anjinhos de altar, que não berrem nem rasguem a roupa na gravilha lá da rua. Depois, encontrei este texto da Ana Cássia Rebelo e decidi endeusá-lo e ficar bem caladinho. Não vá o Senhor padre zangar-se. Boa Páscoa.
"Um grupo de mulheres reza o terço numa salinha de paredes envidraçadas. A ladainha sai-lhes da boca, monocórdica, espalha-se pela nave da igreja, abafa o ruído que vem de fora. Estão naquilo muito tempo. Largam ave-marias, pais-nossos e jaculatórias, em catadupa, mistério a mistério, percorrem a vida de cristo, do nascimento sem pecado à agonia de um corpo nu crucificado. Pouco antes da salve-rainha, quando estão prestes a terminar, as suas vozes ganham certo alento. Será fé ou simplesmente alívio? Por fim, lançam-se num cântico desafinado que me chega como uma massa indistinta, sem palavras ou significado. Emudece-lhes então a voz. Escuta-se o roçagar das saias, o som seco dos missais a fechar, o chiar das solas de borracha dos sapatos ortopédicos no chão encerado. Saem da salinha do terço, pequenas, apressadas, consoladas. As mulheres que rezam o terço são velhas. O corpo perdeu há muito a doçura das formas femininas, não têm anca, nem mamas, nem ventre. O corpo tornou-se numa carapaça baça, jaspeada, e os membros, levemente arqueados, truncados, lembram pinças e tenazes. Quando falam soltam bolhas de água de mar. Atravessam a igreja com os seus passos pequenos de crustáceo. Sentam-se nos bancos que ficam junto do altar. Esperam a missa das seis."