Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Michelle, my bell - Scarface
Devíamos cuidar bem melhor das nossas memórias, sobretudo daquelas que nos foram deixando pelos trilhos da vida migalhas de prazer. O cinema, obras de arte em telas gigantes, mergulhados na multidão mastigadora de pipocas, de pastilhas, engolidos pela mole humana produtora de sons intermináveis - o ronc do catarro, o ronco do sono, a tosse, sempre a puta da tosse, os risinhos idiotas, as conversas paralelas, os roçagares de sacos e saquinhos, casacos e gabardines – ah, a gente que odeia o silêncio! Ou a telinha lá de casa, o filme visto em silêncio como quem se remete a duas horas de contemplação única e inimitável. A Michelle Pfeiffer, aquela que durante tantos anos foi para mim a mulher perfeita e que se calhar ainda é. O Scarface, porra o Scarface, emoldurado no rosto de eterna dor e raiva do Al Pacino. Michelle, my bell, vou-te imortalizar no meu blog, se me permites. Thanks.
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Olha lá, ó rapazinho
Parece que andaste por aí a dizer que há anos que sonhavas com essa viagem até ao Porto. Parece que nos últimos anos jogaste contrariado com a camisola do meu clube. Parece que os golos que marcaste com a mais bela camisola do mundo serviram apenas para te promoveres e para dares o pulo para onde te encheram mais os bolsos, seguido de uma viagem até à mui nobre cidade do Porto. Parece que muitos de nós andámos enganados quando pensámos que sentias a camisola, que amavas o nosso clube e que também por isso perseguias a bola como um louco furioso só para mais uma vez a poderes meter na baliza contrária. Parece que és afinal um mau carácter. Parece que seguiste o caminho do palhaço Simão, do anão Moutinho e do ai dói tanto de terras de leste cujo nome nem me apetece sujar a boca a pronunciar. Parece que não soubeste honrar um clube que te fez rico e famoso, que és dessa raça de gente que não merece ficar na história do meu clube, que mereces sim ser lembrado pelos seus adeptos como um ingrato e mercenário jogadorzeco de futebol. E o que parece muitas vezes é.
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As costas do tempo
O peso do tempo que ocupa os sonhos sobre as mulheres que não temos. O pensamento que divaga nas pernas que passeiam na praia, o olhar que se perde no brilho daquele pedaço de pele, a saudade de cheiros que se perdem nos escolhos do tempo, nas memórias de mulheres que o tempo não apagou. O tempo virou-nos as costas e riu-se dos sonhos que o tempo eternizou.
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"Leave us kids alone" - já diziam os Pink Floyd
Nos dias de hoje - tempos de crise, de busca de soluções e de incapacidade em pensar fora da caixa - a expressão mais escutada passa por apelar à urgente “mudança de paradigma”. E esta bela expressão serve para tudo. Para se clamar por uma sociedade do salve-se quem puder, para bater nos idiotas que ainda se arvoram a pensar que sobram trocos para o bendito estado social, para justificar porque se deve deixar de tratar velhinhos quando o custo da cura é elevado, para defender porque os serviços públicos que não tenham como principal função albergar amigos do partido reinante têm que fechar as portinhas, enfim, o rol de aleivosias que se esconde por trás da merda do paradigma é interminável.
Ora bem, contribuindo para mais um paradigma que é preciso mudar, diria que derrubar o que está subentendido no cartoon acima é essencial. O medo que assola as mentes e os corações dos paiszinhos (e sim, eu estou lá, não sou nenhum extraterrestre nem nenhum ser iluminado) de que os seus rebentos não possuam todas as armas, todas as armaduras que lhes permitam sobreviver na sociedade que os tempos futuros fazem adivinhar (olho por olho, dente por dente) é a maior ameaça à capacidade de desenrascanço, de pensar, de agir e reagir por si próprios dos nossos petizes. O excesso de preparação, de doutrinação, de aulas, de atividades extra-escolares, de horários para fazer trabalhos de casa, dificilmente deixará tempo para trabalhar aquelas que creio serão ferramentas muito úteis no futuro: a capacidade de adaptação a mudanças conjunturais repentinas, a imaginação, a resposta instintiva ao desconhecido e à novidade, a capacidade de encontrar soluções que nunca antes lhes tenham sido pedidas. Saber é essencial, mas construir o saber passo a passo, também por si mesmos, será cada vez mais decisivo. Dar tempo e espaço à pessoa que os nossos filhos são, fugindo aos moldes e aos estereótipos que a sociedade nos impõe e a que cegamente aderimos – não me parece uma má proposta para o projecto educativo de 2013.
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Encerra-se mais uma CEO, prolonga-se eternamente a esperança leonina
48 horas depois, uma mão cheia de especialidades gastronómicas depois, algumas mãos cheias de grandes pomadas depois, deu-se por encerrado o 16.º encontro da Confraria etnográfica dos Olivais. Dezenas de trocadilhos passados, risadas, muitas risadas, abraços fraternos, conversas sérias também, a família, as doenças, as dificuldades que a crise e a malfada quebra generalizada das receitas, dos ordenados, do consumo trouxe às nossas vidas. Suecadas, maratonas de poker, torneios de matraquilhos, toques na bola, bola na TV, basket na TV. E por trás de tudo isto o que está por trás de tudo isto: a amizade - celebrada, renovada e bem regada, para não parar de florescer e jamais esmorecer.
No caminho de regresso um confrade apressado para levar o filho a Alvalade, a esperança nos olhos, a esperança que a criança volte a gritar golos de verde e branco. Mas a genialidade de Carrillo ainda se perde na falta da maturidade que tarda em chegar, a consistência defensiva ainda se perde na desconfiança nos seus dois representantes centrais, a esperança de que falamos ainda se perde nos braços da crise, na necessidade de deixarmos sair o Insua para recrutarmos o esforçado Joãozinho. Há mais consistência, mais posse de bola, mais ideia do jogo que queremos impor, falta a confiança e dois ou três melhores executantes em lugares chave. Mas falta o dinheiro pelo que se exige que a necessidade aguce o engenho. Agucem lá isso, rapazes, veja lá isso Professor.
p.s. - A fotografia respeita a um dos vinhos da noite, um Colares reserva de 87, um Senhor de 26 anos.
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Confraria Etnográfica dos Olivais - 16.º Encontro
Até Domingo o Bolas e Letras fecha para balanço. Que é como quem diz, estarei ausente por terras da Bairrada, dessa difícil e inebriante casta que é a Baga. Vem a propósito a Baga porque o motivo da ausência é efectivamente vinícola. Mais uma vez reúne-se a Confraria Etnográfica dos Olivais (CEO), no seu 16º encontro, reunindo-se duas mãos cheias de confrades com o objetivo de confraternizar, discutir a nação, matar saudades, dizer baboseiras, esmiuçar as desgraças e alegrias da bola, etc. e tal (não, não falamos de raparigas e muito menos nos aproximamos delas – é esse o expresso e tácito acordo estabelecido com as namoradas, companheiras e esposas que se livram dos machos durante dois dias). Ah, e diz que nos entretantos aproveitamos e petiscamos um leitãozito, uma chanfanazita e, quiçá, se o corpo o permitir e a carteira estiver para aí virada se trinque uma lampreiazita ou outra. Tudo isto, evidentemente, acompanhado do belo néctar dos deuses que, muito provavelmente, nesta edição especial terá a simpática companhia do bairradino espumante.
A CEO mantém-se, apesar de inúmeras pressões da sociedade civil, uma confraria informal, por ora afastada da legalização e do crivo da certeza jurídica que lhe confere uma qualquer figura plasmada nos compêndios do universo jurídico. Por esse motivo, não é despiciendo que venha a ser discutida em tão esperado evento a legalização da CEO, a constituição de uma associação, quiçá mesmo de uma fundação, que defenda os princípios, propósitos, objetivos, as meras intenções de tão afamada confraria! Aliás, será este o momento para reclamar tudo a que uma associação legitimamente constituída tem direito: um rol de bem-apessoados e melhor delineados estatutos, uma sede à maneira, um orçamento rigoroso mas generoso, um saquito azul, uns desvios de fundos comunitários para benefício pessoal, umas pitadas de corrupção e de desvio de poder, enfim, tudo o que vem no cardápio! Cuidai-vos boas gentes bairradinas, cá vamos nós!
p.s. – Os estatutos (por ora informais) da CEO determinam inequivocamente, não admitindo qualquer tipo de excepção ou imunidade confrareiro/parlamentar, que os níveis de alcoolémia dos seus confrades não deverão nunca elevar-se acima dos apresentados pela deputada Glória Araújo. Aquando da deslocação em veículos motorizados esses níveis serão sempre inferiores a 0,5g/l de álcool no sangue. É também isto que caracteriza a CEO – marcar a diferença face ao facilitismo. Como é bastas vezes repetido no seio da confraria: duas marcas segurança, uma marca perigo!
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A Possibilidade de uma Ilha - o ciclo vicioso eternamente repetido
"Durante as primeiras fases da minha ascensão à glória e à fortuna, experimentara ocasionalmente as alegrias do consumismo, através das quais a nossa época se mostra tão superior às precedentes. Poderíamos dissertar até ao infinito para saber se os homens eram ou não mais felizes nos séculos passados. (…) De qualquer modo, no plano do consumo, a superioridade do século XX era indiscutível: nada, em nenhuma outra civilização, em nenhuma outra época, podia comparar-se à perfeição itinerante de um centro comercial contemporâneo funcionando em pleno. Assim, eu consumira alegremente, de preferência sapatos; depois, aos poucos, fartei-me, e compreendi que a vida, sem aquele apoio quotidiano de prazeres elementares e ao mesmo tempo renovados, ia deixar de ser simples."
Os males da civilização moderna e a decadência progressiva do homem e da sua condição são os principais temas de Houellebecq. O consumismo, como âncora que sustenta a vida e os prazeres de boa parte de tanta gente que conhecemos (sim, vou-me auto-excluir, se me permitem) é um dos mais reveladores sinais de que o foco de tantas vidas se desviou por completo do cerne do que deveria ser a vida. O desespero que a crise fez surgir nas nossas vidas é também o desespero pela perda ou drástica redução das alegrias materiais e dos vícios aquisitivos.
O falso brilho com que as montras nos cegaram funcionou demasiadas vezes como último reduto dos nossos desejos. Restringimos as nossas ambições e gostos ao efémero, ao material, o metal e os tecidos substituíram a carne e o espiritual. Foi necessária a decadência económica para nos reaproximarmos, mesmo que lentamente e contra as nossas mais profundas intenções, de um sentido de vida palpável, a cheirar a terra e a carne. Mais uma vez, os homens teimam em só aprender depois dos mesmos erros infinitamente repetidos. Mais uma vez o vicioso ciclo da queda, do esbracejar e do lento ressurgir se repete. Mais uma vez somos incapazes de seguir em linha recta rumo a um novo destino.
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Rápido, demasiado rápido
São poucos os anos da infância e, como tudo o que é único e especial, fogem-nos das mãos e da vida com demasiada rapidez. Pecam apenas esses anos pela inconsciência da sua riqueza por quem os vive porque, também como tudo na vida, a felicidade tarda em ser reconhecida e apreciada. Se nem as crianças devoram cegamente a bênção da vida dificilmente a felicidade será plena e incondicional. É também esse o destino que a vida nos legou.
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96 611...
- Tu é que vais decidir se queres descobrir o resto.
- Descobrir o quê? Sirvo-te um hambúrguer gorduroso e uma cerveja mal tirada e achas que te vejo como o homem da minha vida?
- Tu podes mentir, mas os teus olhos não acompanham os receios da sua hospedeira.
- Os meus olhos estão cansados, mal dormidos e fartos desta merda de vida, não sei que mais podes ver neles.
- Vejo desespero, vejo avidez em fugires da tua vida, vejo desejo em seres amada, abraçada, beijada, empurrada contra o balcão, vejo a tesão que há muito não sentes e que sentiste, um minuto que fosse, quando me olhaste enquanto tiravas esta cerveja, que por te tremerem as mãos ficou uma bela merda de uma cerveja.
- Esse último número, é um 9? Espero que sejas melhor na cama do que a escrever.
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Até quando?
Fotografia de Josef Koudelka
O que sente uma gaivota quando vagueia em busca de alimento? O que sente uma ave que migra incessantemente em busca da sobrevivência, do sustento, de manter-se à tona de água? Que forças movem e sustentam animais tão frágeis, que instintos os conduzem no caminho da interminável luta? Até quando as asas baterão, até quando a vontade de lutar contra ventos contrários se sobreporá ao conforto da desistência? Até quando aguentará o povo o castigo que aqueles em que votaram decidiram infligir-lhe? Até quando estas sanguessugas manterão expressões impolutas, frases grandiloquentes e a pouca vergonha tão bem escondida sob os aprumados fatos cinzentos? Até quando o cheiro do medo não atiçará o povo sedento de justiça?