Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
V. Guimarães 0 - Sporting 0
Demos tudo, lutámos que nem loucos, acreditámos até ao último minuto. Rematámos muito, dominámos, merecíamos a vitória. O jovem Miguel, guarda-redes do Vitória, fez milagres atrás de milagres embalado pelo fantástico público vitoriano. Deram tudo, rapazes, estão de parabéns por isso. Estamos sempre convosco, não vos deixaremos sós. Agora é ganhar o próximo jogo, deixar o Benfica a 4 pontos e continuar com este espírito, até ao último minuto do campeonato, até à glória final. Força rapazes!
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Olivais on tour, por entre os corredores do Thyssen e a alma ferida de CR7
Num fim-de-semana de deslocação olivalense a Madrid, a já famosa digressão intitulada “Olivais on tour”, comeu-se divinalmente, bebeu-se com parcimónia e qualidade, devorou-se a magia do Thyssen e, last but not the least, fomos ao Santiago Bernabéu dar um abraço ao Cristiano e confirmar se as notícias sobre a sua morte não seriam exageradas. Resultado? Cristiano está vivo, não com o fulgor e a eficácia do passado, mas é quem nunca desiste, é quem tem dentro de si a vontade e a raiva dos que nunca aceitam a derrota, embora isso no Sábado se tenha mostrado mais pela sua língua enraivecida do que pela magia do seu futebol. Cristiano Ronaldo está vivo mas este Real Madrid está moribundo. O que mais impressão me fez foi a indiferença de quem estava nas bancadas, os adeptos do Real Madrid parece que foram ali ver um filme ou uma sessão de ópera, disfrutar de um qualquer espectáculo tecnocrático, como se nas paredes do estádio estivesse uma placa a pedir-lhes silêncio, para não incomodarem o jogo e os jogadores. O futebol não é nada disso, é antes um espectáculo interactivo onde os jogadores puxam pelo público e vice-versa, onde o público aplaude os seus heróis ou os vitupera porque sente que estes não dão tudo até ao fundo de si. O público de Madrid, recheado de estrangeiros (chineses, japoneses, ingleses, latino-americanos de carteiras recheadas, olivalenses semi-desenrascados) que vão assistir a um espectáculo mas que não sofrem pela equipa, transforma um teatro que deveria ser de emoções vibrantes em mais um quadro que por acaso não está no Thyssen mas sim no relvado do Bernabéu. Falta alma e sangue ao Real, a alma que Cristiano Ronaldo não conseguiu manter dentro do peito.
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O salto
Bárbara Fialho, fotografada por Gustavo Zylbersztajn
Podia continuar onde sempre esteve. O sítio não era confortável, longe disso, mas já o conhecia. Como conhecia os vizinhos, também os que apenas rondavam por ali, os amigos e os meramente conhecidos, os do “olá bom dia”. Sabia o que esperavam dela e o que podia esperar deles. Sentia-se por vezes sufocada, mas esse incómodo era menor do que mergulhar no desconhecido. Até ao dia.
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Bayer Leverkusen 3 - Sporting 1
Não me apetece esmiuçar o jogo de ontem do Sporting na Alemanha. O Sporting podia mas a “estrutura” não quis. Porque temos que poupar o fôlego dos melhores para o campeonato, porque esta será uma bela estratégia se tudo correr bem e uma merda de estratégia se tudo correr mal. Pensar pequenino e fechados no nosso confortável cantinho não me cheira bem, não me cheira ao Sporting grandioso e ambicioso que pensava que esta Direção e esta equipa técnica pretendiam. Os recursos são escassos? Sim, vender o Montero e o Tanaka e ficar com o perfeito inútil que é o Teo Gutierrez para enfrentar a armada alemã é pouco, muito pouco. Estou lixado? Muito. Ganhem o campeonato e façam-me engolir a azia. Só não me façam sentir pequenino por terem medo de ser grandes. Podemos não conseguir, mas que nos esfolemos todos a tentar. Vejam lá essa merda.
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A esquina dos encontros desencontrados
Monica Bellucci, por Helmut Newton
- Onde é que estás, porque é que já não estás aqui?
- Não sei. Parei de resistir e por isso rendi-me e aceitei-te de volta…essa mudança, quando tomei consciência dela, fez-me mudar de novo. Já não te quero, não te procuro.
- Regressou o jogo do “vem cá que eu já não estou aqui”, minha querida?
- Estou tranquila. Quando o meu coração ou o meu corpo arderem de saudade e de desejo logo encontrarei forma de o saberes.
- Querida, não vou de novo arrancar os cabelos por causa de mais um episódio dessa tua nobre arte de, em tão escassos minutos, dares uma pirueta de 180º na tua vontade.
- Tens sempre a hipótese de me mandar à merda. Desta vez, em definitivo.
- Não, não o vou fazer. Este movimento cíclico de aproximação e afastamento, consciente ou inconsciente, é o que é e é o que temos. Sei que se não for amanhã, mais cedo do que tarde os nossos desencontros hão-de ser tão alucinados que nos reencontraremos na esquina desse encontro desencontrado. E cada um há-de ser melhor do que o anterior.
- É impossível não te amar também por isso…seja lá como esse amor se manifeste.
- Likewise, my sweet one.
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Hong Kong
Ninguém pode ser apelidado de fascinante e misterioso sem ter percorrido as ruelas mal iluminadas de Hong Kong, ou as grandes avenidas infestadas por néons, pela noite dentro, em busca de animação ou de uma estranha paz que é aquela que se encontra no fim do túnel da noite. Não houve uma noite que tivesse passado em Hong Kong que não fosse inesquecível, trágica ou gloriosa. Vocês sabem que eu sei, amigos do peito, meus comparsas fascinantes e misteriosos!
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Behind the camara - Margaret Bourke White
Margaret Bourke White, natural do Bronx (1904-1971) divertia-se, aos 8 anos, a ajudar o seu pai, fotógrafo, tirando fotografias com uma caixa de cigarros vazia e ajudando-o a revelar algumas tiradas por ele. Em 22 de julho de 1941, quando caíram as primeiras bombas em Moscovo, era a única fotógrafa estrangeira no local. Nos anos que se seguiram fotografou cenários de guerra e campos de concentração, tendo conseguido a proeza de fotografar Joseph Stalin com um esgar próximo de um sorriso, como se a própria encarnação do mal se envaidecesse perante a camera.
Mais tarde fotografou Ghandi, poucas horas antes do seu assassinato. Na primeira imagem deste post Margaret trepou à gárgula de uma águia no topo do edifício Chrysler, em Nova Iorque, para colocar uma camera. Como é que uma mulher que viveu tanto, em tantas situações e locais à beira do precipício, conseguiu manter o equilíbrio é a questão que me assalta. A resposta é dada pela própria, como se a sabedoria reflectida nas suas imagens fosse um reflexo da sua alma: “The very secret of life for me...was to maintain in the midst of rushing events an inner tranquillity. I had picked a life that dealt with excitement, tragedy, mass calamities, human triumphs and suffering. To throw my whole self into recording and attempting to understand these things, I needed an inner serenity as a kind of balance”.
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Sporting 2 - Boavista 0
Este foi um jogo que estranhamente me trouxe à memória alguém que já não está cá. Assistir à exibição apagadíssima de Teo e à ainda alguma imaturidade de Gelson pôs-me a pensar o que seria esta equipa com um Carrillo em crescendo, a jogar a um nível ainda mais elevado do que apresentara no início de época brilhante que fez. Perdeu o Sporting, perdeu um jogador que se arrisca a ter perdido o seu tempo. O futebol pode ser ingrato mas quase sempre o é para aqueles que não o respeitam. Não foi um grande jogo mas é destas vitórias menos vistosas que também se fazem os campeões, rapazes. Continuamos juntos e na frente do pelotão!
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Do relativismo das convicções absolutas, segundo Charles
Não, minhas amigas e amigos meus, isto não é um mero trocadilho, um dos meus famosos trocadalhos do carrilho (sem maiúscula, que esse, o da Bárbara, é um escroque). Isto é mesmo assim para a maior parte das pessoas. Gente inteligente a hesitar para ponderar melhor, para chegar à solução perfeita e gente estúpida que nem uma porta, crente na sua genialidade, a dar cabo do país com a rapidez dos loucos precipitados. Precisamos de gente inteligente que não busque a perfeição e de gente estúpida sem poder de decisão. Precisamos de virar tudo isto ao contrário. Precisamos de nos virar ao contrário. Vejam lá isso.
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Um dia de merda
Entras, tarde e a más horas, naquela que será provavelmente a última carruagem de metro que te levará a casa. Um dia de merda, uma noite curta demais para as horas de sono que te faltam. A carruagem está praticamente vazia. Sentas-te a dois lugares de distância de uma mulher jovem. Olhas melhor. Ela, ou vem de um jantar chique, ou vai para uma festa ainda mais requintada. Bem vestida, sexy, enleante. Fixa-te nos olhos. Não percebes. Estás suado, desgrenhado, arrasado. Fixa-te mais ainda. Como uma presa indefesa desvias o olhar. Pensas que só queres dormir, com sorte ver os teus filhos de manhã cedo, dar um beijo à mulher, voltar para uma carruagem agora cheia de gente. Fixa-te como se nada mais houvesse no emaranhado de túneis que percorrem. Pensas que só queres dormir mas já não sabes se é isso que queres. Começas a sentir. Desejo, mistério, a atracção do desconhecido. Uma ligeira irritação pelo olhar penetrante e o deserto de palavras. Arriscas:
- O que queres?
- Olhar-te.
- O que procuras?
- Nada.
- Se nada procuras não percebo porque me olhas dessa forma.
- Eu não percebo porque te incomoda o meu olhar.
- Não é comum fixarmos o olhar em estranhos, nos olhos deles.
- Eu não sou uma mulher comum.
- Já percebi isso.
- O que achas que procurava?
- Se soubesse não te colocava a questão.
- Um homem pensa sempre em sexo, não é?
- Sim, talvez.
- Tens razão. Vai-te foder.
A composição do metro parou e ela saiu. Sem uma palavra, um esgar, com o olhar perdido no nada. Um dia de merda.