Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Perdido nas imperfeitas páginas da absurda busca do seu contrário
Creio que tal nunca me aconteceu, no que ao meu comportamento de leitor respeita, mas dou por mim a saltitar ávida e indecisamente entre diversos livros. Não sei se tal se explicará pela falta de tempo para me focar num só, pela tentativa de não me deixar abater pela monotonia de estilos literários, pelo instintivo desafio de estimular as meninges e a capacidade de concentração. Há algum tempo para acabar “Os cus de Judas” de Lobo Antunes, vou entranhando as suas inimitáveis pérolas na exata medida em que me irrito com aquela constante busca da perfeição linguística. Esse esforço que não passa das 10 páginas por tentativa entrelaça-se num interessante ensaio histórico de Marc Ferro, um périplo pela crónica incapacidade dos povos e dos seus líderes em compreender os comos e os porquês dos momentos históricos, constrangendo-os a, desprovidos de tal conhecimento, verem frustrada a sua capacidade de desviar o presente de negros futuros (“A cegueira – uma outra história do nosso mundo”). Para não me facilitar a vida meteu-se-me na pilha dos livros em processo de leitura contínua o bom e velho J. Rentes de Carvalho, primeiro com o “Meças”, mais uma genial caricatura com cheiro a Portugal profundo, logo seguido da “Ira de Deus sobre a Europa”, ainda no início mas com promessas de muita sabedoria pouco politicamente correcta. Desconfio que o problema destes excessos e confusões literárias reside na eterna busca do livro perfeito, aquele que nos preencherá e nos entregará a lamparina da infinita sabedoria. Haverá disso? Não deveria eu já saber que todo o livro, toda a obra de arte é o espelho da nossa imperfeição?
Nem por acaso, regresso ao maravilhoso blog de Rentes de Carvalho (Tempo contado) e descubro que o próprio autor, não obstante a sageza da idade e das léguas literárias percorridas, caiu na esparrela da busca da obra que supostamente lhe encheria as medidas. Deliciai-vos com a descoberta:
“Lá caí pela enésima vez na ratoeira dos ditirambos, dos louros, das hipérboles, e talvez também, por que não confessá-lo, para ver se ali finalmente aprenderia a receita que procuro desde que comecei a escrever ficção.
Ao folheá-lo na livraria já me corria água na boca: “Um livro de sonho”; “Um livro sofisticado, urticante, dramático”; “o autor tem um olfacto indiscutível para captar aquilo a que os alemães chamam zeitgeist; “nunca ninguém foi tão longe na representação do real”; “é um autor de génio.”
Nas quase trezentas páginas há um pouco de tudo, não vá o leitor sentir-se lesado por não ver lá a sua tara, o seu vício, a sua estupidez, os seus sonhos de adolescente débil mental, a pedofilia do cinquentão, o exotismo nipónico, os problemas do camembert, o gosto da vodca, a comparação das qualidades da espingarda Swarovski DS5 com as da Steyr Mannlicher, o que sente ou não depois de engolir certas drogas, e também ainda os problemas muito actuais do aluguer de apartamentos. Só? Acha pouco? Claro que seria pouco, mas logo depois e à mistura vêm as orgias chiques em casas de sonho, onde esplêndidas e esplendorosas mulheres sempre ricas, sempre jovens e num cio eterno, copulam com mastins, corpulentos bulldogs ejaculam na garganta das ditas, enquanto em redor é um não findar de enrabanços, o todo embrulhado em aflições psíquicas, idas ao supermercado, ao psiquiatra, longos passeios em bosques, a problemática da criação de vacas…
O estilo, a construção, o vocabulário, o propósito, não desmereceriam de um adolescente transtornado, mas é erro meu, talvez até uma ponta de inveja, porque o autor continua a ser “um valor seguro, porventura um dos pouquíssimos representantes daquilo a que outrora chamávamos literatura”.
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Vê lá isso, João
“Deem-nos alguma coisa em que acreditar”, clamou o jornalista, comentador, cidadão João Miguel Tavares num debatido discurso de mais um esperançoso feriado do 10 de Junho. Para além desse pedido lancinante de quem sente a sua pátria desesperançada, o João falou ainda da necessidade dos políticos nos verem para além da fonte de receitas que somos, nós, meros porquinhos mealheiros processadores de IRS´s, IVA´s, taxas e taxinhas. Aprecio e subscrevo as palavras do João, mas como outros comentadores já enfatizaram estas são palavras, leves como as folhas que o vento leva, nada mais que palavras, apesar de genericamente bondosas e politicamente necessárias.
Todos - tirando casos patológicos – desejamos a paz no mundo e o fim da fome em África. Todos ansiamos por um país sem corrupção, em que o leque de oportunidades se abra de igual modo independentemente da proveniência social das pessoas Todos podemos escrever belas e inspiradoras palavras sobre esses nossos lacrimosos anseios, quiçá sem a arte e a verve do João, mas ainda assim podemos escrever, escrever e escrever. Fica por fazer o que interessa, lá está, fazer, agir, dar sugestões concretas de soluções exequíveis, originais, que nos desafiem a nós e ao marasmo da nossa política e dos nossos pensadores/comentadeiros políticos. Não quero que o João diga à Justiça como acabar com a corrupção – creio que não terá o know how para tal -, bastar-me-á que o nobre escriba, na sua área de especialidade, nos diga como pode o quarto poder ser mais incisivo na avaliação de políticas que em nada contribuem para esses altos desígnios, que nos ajude a perceber como pode a investigação jornalística dar-nos a conhecer o que é feito nas mais diversas áreas, nos mais diversos países para que essas áreas e esses países façam de quem delas beneficia, dos seus cidadãos, gente orgulhosa de o ser e de aí viver. Já agora, o João e os seus patriotas colegas e comentadeiros, que tanto gostam de bater no peito e de fazer ribombar a força das palavras nos nossos já tão massacrados ouvidos, que nos digam, melhor, que façam com que o jornalismo cumpra o seu papel e ajude a fazer deste cantinho à beira mar plantado um país do qual nos possamos orgulhar. Para floreados e grinaldas de palavras e boas intenções já demos o que tínhamos a dar, obrigadinho.