Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Senhoras e senhores eleitores, uma atençãozinha...
Ontem foi um dia bem demonstrativo dos tempos estranhos que vivemos. Ontem, ao fim de 75 anos de existência, pela primeira vez os membros da ONU reuniram-se virtualmente, gentileza dessa nova sala de estar universal que é o Zoom, disseminada por obra e graça dos medos e efeitos da pandemia Covidiana. O que em tempos foi a mais relevante organização internacional, criada para colocar os países a falar uns com os outros e os afastar do mal, das guerras, do diabo a sete, é hoje uma organização minada por dentro, carcomida pelos egoísmos nacionalistas dos seus membros. Se tudo isto já não fazia antever a tomada de decisões corajosas e declarações inspiradoras saídas deste fórum global, o que por lá se ouviu foi um alarme divino, um concerto de trompas de anjos desesperados. Trump e Bolsonaro resolveram bradar aos céus a gestão exemplar que fizeram da pandemia, Putin choramingou pela falta de bondade e humanidade neste mundo cruel em que vivemos, o iraniano Rouhani criticou as maldades que grassam no mundo (colocando para trás das costas as atrocidades do regime que chefia), Macron disparou qual caçador possuído por litros de medronho, atacando tudo e todos.
O mundo está perigoso e líderes mundiais teimam em lançar achas para a fogueira, guiados por uma perigosa mistura de incompetência, ignorância e excesso de focagem nos seus nacionais umbigos. A democracia, a pior forma de governo, com exceção das demais (ah, Winston, tu é que a sabias toda) parece tornar-se efetivamente ainda pior na sua versão de democracia representativa, abrindo brechas para que outras formas de governo possam ganhar força. Minhas amigas, meus amigos, o Trump se fosse nosso colega de escola seria justamente vítima de bullying ou pior, o xor Jair chumbaria com mérito na primeira classe. Somos democraticamente representados por estas anémonas, o que significa que votámos neles. VEJAM LÁ ESSA MERDA, DASSSSSSSS!!!
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Quanto tempo mais?
Quando deixamos de poder respirar em liberdade pouco há mais em que pensar do que essa ausência de liberdade. A máscara que nos autoimpusemos é a medida da nossa mente, como se o horizonte para lá do bafo quente e claustrofóbico que incessantemente respiramos tivesse perdido a sua dimensão de sonho. As conversas começam e terminam no vírus, nas saudades de um modo de vida recente que sempre tomámos por garantido, no “foda-se, esqueci-me da máscara”, na raiva por não podermos visitar sem máscara e mil cuidados os nossos pais, por separarmos os filhos dos seus velhos amigos - as avós e os avós - em nome da saúde, da longevidade que, por este caminho, deixará de fazer tanto sentido assim. Entretanto, enquanto nos protegemos deste maldito vírus, que poupa os novos e mata os velhos, deixamos que mais gente morra de outras doenças, porque tiveram medo de procurar os habituais cuidados médicos a que recorriam para evitar e combater os outros milhares de doenças, porque os próprios cuidadores e serviços de saúde estiveram focados no vírus que enche os écrans dia e noite, o vírus que é a bitola do sucesso de políticos em constante frenesim para mostrarem ao mundo que não darão tréguas à disseminação do bicho, é o maldito e minúsculo vírus que decidirá quem liderará o mundo outrora livre.
Nas escolas os miúdos riem e brincam dentro de uma nova realidade, porque são plasticina que a tudo se adapta, mas sentem a artificialidade dos recreios, sofrem com o calor da máscara na sala de aula, perdem capacidades de aprendizagem porque os óculos embaciam, porque não estão para pedir a palavra e falar em esforço, porque os professores se enredam na dificuldade de passar a mensagem, porque tudo aquilo vai contra a sua natureza, contra a nossa natureza. A natureza que teimamos em negligenciar ameaça engolir-nos neste medo invisível. Quanto tempo demorará a salvífica vacina? Quantos mais vírus surgirão depois dessa suposta salvação? Quanto mais tempo levaremos a tirar a máscara que nos impede de ver que a causa de tudo isto somos nós?