Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
O jogador mais decisivo da história do futebol português
Aquela voz de falsete que no final dos jogos assumia tudo, tudo menos os erros próprios. O relvado, o vento, o ressalto no defesa, algum colega da defesa que o induziu em erro, o diabo a sete, tudo servia de desculpa. Os gestos de exagerado desconsolo depois de sofrer um frango. A culpa era do mundo todo menos daquelas duas mãos sagradas.
E depois, contra tudo e contra todos, o dia D, o dia da desforra. Aquele minuto em que tirou as luvas e tirou o pão da boca dos ingleses. O minuto em que partiu para a bola e fez história, marcando o penalty decisivo que humilhou os bifes. O herói improvável era ele, o labreca, Ricardo Coração de leão (não o dos ingleses), quais frangos quais quê, naquela noite Ricardo fez esquecer os Eusébios de outrora, os Figos de agora. Saí do estádio colérico de euforia, foste grande Ricardo!
Foi decisivo nessa noite inesquecível, mas, infelizmente, foi decisivo em outros três históricos jogos. Relembremos:
1) Benfica-Sporting - Estava em causa o campeonato. Perdendo, o Benfica deixava arrastar por mais um ano o jejum já de alguns anos sem ganhar o caneco. Luisão saltou para a bola com Ricardo, Ricardo poderia ter atacado a bola e socado o perigo, mas lembrou-se de tentar agarrá-la. Luisão roça o corpo em Ricardo e desiquilibra-o, conseguindo assim chegar mais alto com a cabeça do que o labreca com as mãos. Falta difícil de ver porque discreta, falta difícil de marcar porque mais um ano em jejum e o país entrava em irreversível depressão. Ricardo é tudo menos inocente porque podia ter decidido o lance antes da falta. O apito foi mais uma vez vermelho, Ricardo foi mais uma vez infeliz.
2) Final da taça UEFA - Sporting contra uns russos que nem gosto de nomear. Um cabeceamento de um russo, de cima para baixo, sobrevoa Ricardo que mexe e remexe os braços e cai para trás, fazendo parecer que o lance era indefensável. Falso, Ricardo é especialista em fazer parecer lances banais golos indefensáveis. Terceiro golo dos russos. Um cruzamento rasteiro que Ricardo tenta antecipar e cujo tiro lhe sai pela culatra. Não bastavam os cruzamentos aéreos, a andorinha decidiu também dedicar-se à frangaria pelo R/C. Saí do estádio incrédulo, a final em casa por um canudo. Ricardo, és uma besta.
3) Final do campeonato da Europa em casa, contra a Grécia! - Um cruzamento, Ricardo nem sai nem fica, dando a habitual confiança à defesa nos lances aéreos. A meio caminho ficou Ricardo, a meio caminho ficou Portugal da vitória na mais fácil final de todos os campeonatos da Europa havidos. Saí do Estádio em transe. Ricardo mais uma vez fizera o seu conhecido vodoo recorrendo aos imbatíveis galináceos degolados
Desculpa Ricardo, precisava disto, precisava de deitar cá para fora este fel, esta azia que durante anos as tuas mãos de manteiga entranharam no meu corpo. Custou mas foi. Para confirmarem a coisa, vejam o filme que se segue. Se possível com som, que esta tragédia grega merece.