Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Os Nomes (pérola 1) - O sonho dos sonhos
"Ser turista é fugir da responsabilidade. Os erros e os defeitos não se colam a nós como em casa. Somos capazes de vaguear por continentes e línguas, suspendendo a actividade do pensamento lógico. O turismo é a marcha da imbecilidade. Contam que sejamos imbecis. Todo o mecanismo do país hospedeiro está adaptado aos viajantes que se comportam de um modo imbecil. Andamos às voltas aturdidos, olhando de esguelha para mapas desdobrados. Não sabemos falar com as pessoas, ir a lado nenhum, quanto vale o dinheiro, o que comer ou como o comer. Ser-se imbecil é o padrão, o nível e a norma. Podemos continuar a viver nestas condições durante semanas e meses, sem censuras nem consequências terríveis. Tal como a outros milhares, são-nos concedidas imunidades e amplas liberdades. Somos um exército de loucos, usando roupas de poliéster de cores vivas, montando camelos, tirando fotografias uns aos outros, fatigados, desintéricos, sedentos. Não temos mais nada em que pensar senão no próximo acontecimento informe."
Descontando o lado caricatural deste trecho sabiamente elaborado por De Lillo, para sermos honestos teremos que confessar reconhecermo-nos em muito do que ali está escrito - bastará fechar os olhos e fazer uma viagem imaginária às nossas últimas férias. O desejo de conhecer a cultura, a arquitectura e os monumentos de uma cidade num qualquer país que não o nosso não será desprezível na hierarquia das nossas intenções, mas o que procuramos com esse afastamento voluntário da nossa realidade é o esquecimento das rotinas, das obrigações, das regras que cegamente seguimos dia após dia. Quando em Sevilha visitei mil e uma catedrais o que realmente me preencheu as férias foram as tapas e as cañas, a sesta subsequente, só para ganhar espaço para mais tapas a cañas. Quando em Paris me inebriei com os incontáveis recantos da mais bela cidade, o que hoje me preenche as memórias são os almoços de queijos e vinhos da mercearia por debaixo do minúsculo T0 que me albergou. Depois dessa opípara refeição, descer os quatro andares de ancestrais degraus e ver tudo com novos olhos, esquecer de vez que há uma terra mãe, que há um monótono quotidiano a milhares de quilómetros de distância. Ah, ser turista de profissão, o sonho dos sonhos…