Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
O pai mais grávido
Há cerca de um mês, desafiado pela minha cara metade, concorri ao concurso "O pai mais grávido". Ao quê? Isso mesmo, ao prémio do pai mais grávido. Como é evidente, a primeira coisa que me ocorreu foi posar lado a lado com a futura mãe do meu filho, mostrando ao mundo o quão solidário estava com a proeminente gravidez dela/nossa, facto inequivocamente comprovado pelo volume abdominal que me faz acompanhá-la neste processo de crescimento. Em suma, a coisa estava no papo.
Mas não, parece que o concurso era mais sério. Dando liberdade aos concorrentes para porem a imaginação a correr, esperava-se uma demonstração do forte envolvimento do pai na gravidez da companheira. Bom, fiz então aquilo que mais gosto, em busca do almejado prémio. Singelamente, escrevi o que me ia na alma e no coração. Lamechas, certamente, mas lá deu para açambarcar o primeiro prémio e o correspondente cabaz da Mustela. Ora toma! Espero que gostem.
"Um desafio à altura de um verdadeiro sábio da existência e da condição humana, este que pede que nos elevemos à condição do pai mais grávido. É ela, a frágil e doce flor que dá sentido a este difícil jardim que chamam de vida, é ela que carrega o peso de uma vida sobre as graciosas ancas, é ela que faz de pai e de mãe mais grávida.
Eu, homem orgulhoso da minha condição de futuro pai, divago em busca do sentimento da paternidade às apalpadelas, embasbaco em cada movimento do rebento que não conheço mas que, crescentemente, a cada pontapé, vou sentindo mais meu. Que posso então fazer para tornar mais digna esta triste e limitativa condição que durante 9 meses me acompanha, este ingrato papel de observador externo, de elemento quase estranho à mágica ligação gerada entre a mãe e o nosso futuro Miguel?
Posso fazê-la sentir-se ainda mais especial. Posso dar-lhe todo o apoio e confiança que tenho em mim para fazer dela a mãe mais apoiada e confiante do burgo. Posso participar com ela em sessões de preparação para o parto, fazendo das tripas coração para conciliar urgências laborais com prazeres conjugais, desprezando os outrora imperdíveis jogos da Liga dos campeões à terça-feira. Posso massajar-lhe suave e sabiamente o corpo dorido, a perna massacrada pela ciática que o jovem Miguel não deixa esquecer, posso, com sinceridade, nunca esquecer de lhe dizer que é a grávida mais bonita de Portugal e arredores.
E para o meu filho, como me posso ir preparando para ser para ele o melhor pai do mundo? Há mais de duas mãos cheias de anos, quando escrevia poemas como quem come tremoços (uns atrás dos outros), escrevi sobre aquilo que, percebo hoje, não queria ser como pai. Naquele poema não estava eu ou o meu pai, estariam sim alguns fantasmas a que fui assistindo durante a minha vida. É este poema que não quero nunca que o Miguel viva:
-----------------------------------------------------------------------------
Sabes pai,
há quantos anos não leio a palavra amor
há quantas lágrimas não choro um beijo cristalino?
Os nossos quartos são chegados
distam menos que o brilho morto dos teus olhos
creio que ouves o pranto perdido no túnel da noite.
Porque não abres a porta
sem bater nem pedir licença?
Porque não entras no meu quarto de rompante
sem me deixares pensar se é ou não isso que quero?
Sabes pai,
há quantos anos
desejo a puta desta porta escancarada?
----------------------------------------------------------------------------
O amor é essencial. Alimentar esse amor desde o primeiro dia em que soube do milagre de gerar uma vida, uma vida que damos ao mundo, é essencial e mais natural do que a minha sede. Como o petiz está escondido, nada como fazer as vibrações de amor passar pelo fio condutor que é o coração e a pele da mãe.
Depois, enquanto os meses para o big bang vão encurtando, convém ir reflectindo, nunca esquecer que o barro que moldarei é de início frágil, expectante, necessita de mão firme que não lhe estilhace as esperanças. Um admirável mundo novo aí vem, o decisivo momento que nos dirá se seremos bem sucedidos ou não desperta com este acontecimento único. Não há-de ser nada, há que enfrentar o desafio com um sorriso nos lábios. Tal como a malta do Duarte & Companhia enfrentava o perigo.
Em processamento…esperando ansiosamente…sentindo-me como o pai mais grávido do mundo!