Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Aparição (pérola 2) - Estatísticas da vida
" - Estudou a lição?
- Não peguei em livro - disse ela, sorrindo por entre o fumo do cigarro. - Não está contente?
- Contente? Porquê?
- Ouça, doutor: se alguma coisa me preocupou sempre foi ser consequente, unir o que faço ao que sinto. Porque não faz o mesmo?
- Como não faço o mesmo?
- Oh, não faz...Se o fizesse, já me tinha beijado...
A violência que me apanhou não foi súbita. Houve um silêncio de atordoamento. Até que na intimidade dos meus ossos, dos meus nervos, uma raiva de dentes me endoideceu. Sofia estava na minha frente, frágil e intensa como uma fibra de nervo; e eu senti-a toda colada ao meu apelo, aniquilada, num esmagamento de mãos torcidas, de mastigação...Ergui-me trémulo, apoderei-me dela, cerreia-a violentamente no meu calor, tentei reduzi-la toda a esse ápice incandescente, onde a vida infinita se me centrava.
Mas ela, com uma energia que era eficaz por me pôr diante de mim, por vir dela - um ser frágil -, repeliu-me com raios no olhar. Senti-me miserável como quem é apanhado nu: o que era do meu mistério, do meu segredo, ficara ali exposto, sem que Sofia me pagasse a minha revelação com a revelação de si própria."
Vergílio Ferreira arrasa qualquer pretendente a escritor com este trecho de "Aparição". A beleza destes parágrafos só é ensombrada pela violência das sensações que pulsam das palavras, dos roçagares de roupa, dos silêncios estridentes, do desespero que só a paixão desperta no ser humano.
Uma aluna e um professor. Nada de exames nacionais, médias de entrada, exames facilitistas, estatísticas intermináveis que estreitam o processo educativo a estéreis realidades numéricas. É esta a verdadeira aprendizagem, deveriam ser estas as estatísticas a fazer:
- Quantos professores desesperadamente apaixonados por raparigas que estão, supostamente, proibidos de tocar?
- Quantos alunos platonicamente perdidos de amor por aquela professora que, em cada sorriso, se insinua nos seus sonhos molhados?
- Quantos professores Adão se aproveitaram das ingénuas mordidas das jovens Evas? Quantas maçãs podres nesse cesto?
- Quantos inexplicáveis insucessos escolares explicados por sentimentos que não se explicam?
- Quanta paixão perdida e irrecuperável no futuro? Quantos sonhos esmagados pela realidade dos números?