Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
José Cardoso Pires
Uma das piores fraquezas desta fraca nação é a incapacidade congénita em louvar e promover interna e externamente os seus génios. Regressando à minha esforçada vontade em (re)descobrir escritores portugueses mergulhei no “O Anjo Ancorado” de José Cardoso Pires. Banhei-me na simplicidade de palavras puras como cristais, nas imagens tecidas que oferecem mais ideias do que mil ideias escritas, na cortante realidade de um Portugal que teimamos em esquecer ou não procurar conhecer. Não tenho bagagem nem conhecimento para dizer quem foi Cardoso Pires, para resumir em algumas linhas a sua obra. Sei apenas que o fascínio que este pequeno grande livro me transmitiu me abriu as portas para um escritor singular. Quanto ao homem e à obra deixo aqui algumas palavras de António Tabucchi, que muito melhor conhece ambos:
“Creio que nenhum outro escritor português soube contar, como Cardoso Pires, a infelicidade e a solidão: a infelicidade e a solidão do indivíduo mas também de toda uma sociedade, de um país inteiro. E ninguém, como ele, soube radiografar um sistema político como o salazarismo, apanhado na sua fase senescente. Um sistema esclerosado, sulcado por profundas fissuras, que causou na alma das pessoas desgastes já irremediáveis, abrindo galerias obscuras onde habitam justamente a infelicidade e a solidão”.
“Os livros de Cardoso Pires são assim: a ler e a reler. Oferecem-nos o prazer imediato de uma história e obrigam-nos depois a uma reflexão sobre essa história. São livros interrogativos, como todos os livros dos grandes escritores”.