Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
"Leave us kids alone" - já diziam os Pink Floyd
Nos dias de hoje - tempos de crise, de busca de soluções e de incapacidade em pensar fora da caixa - a expressão mais escutada passa por apelar à urgente “mudança de paradigma”. E esta bela expressão serve para tudo. Para se clamar por uma sociedade do salve-se quem puder, para bater nos idiotas que ainda se arvoram a pensar que sobram trocos para o bendito estado social, para justificar porque se deve deixar de tratar velhinhos quando o custo da cura é elevado, para defender porque os serviços públicos que não tenham como principal função albergar amigos do partido reinante têm que fechar as portinhas, enfim, o rol de aleivosias que se esconde por trás da merda do paradigma é interminável.
Ora bem, contribuindo para mais um paradigma que é preciso mudar, diria que derrubar o que está subentendido no cartoon acima é essencial. O medo que assola as mentes e os corações dos paiszinhos (e sim, eu estou lá, não sou nenhum extraterrestre nem nenhum ser iluminado) de que os seus rebentos não possuam todas as armas, todas as armaduras que lhes permitam sobreviver na sociedade que os tempos futuros fazem adivinhar (olho por olho, dente por dente) é a maior ameaça à capacidade de desenrascanço, de pensar, de agir e reagir por si próprios dos nossos petizes. O excesso de preparação, de doutrinação, de aulas, de atividades extra-escolares, de horários para fazer trabalhos de casa, dificilmente deixará tempo para trabalhar aquelas que creio serão ferramentas muito úteis no futuro: a capacidade de adaptação a mudanças conjunturais repentinas, a imaginação, a resposta instintiva ao desconhecido e à novidade, a capacidade de encontrar soluções que nunca antes lhes tenham sido pedidas. Saber é essencial, mas construir o saber passo a passo, também por si mesmos, será cada vez mais decisivo. Dar tempo e espaço à pessoa que os nossos filhos são, fugindo aos moldes e aos estereótipos que a sociedade nos impõe e a que cegamente aderimos – não me parece uma má proposta para o projecto educativo de 2013.
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6 comentários
De Teresa a 29.01.2013 às 12:52
Não me parece um mau Projecto. De Vida!
Exageramos todos no proteccionismo. Claro que hoje estamos mais conscientes dos perigos e medos que os nossos Pais e Cuidadores também tinham, mas exageramos. Temos tendência em não deixar "o menino" crescer e aprender. Até com os erros.
Quando "tirei" o meu filho do Colégio (ele sempre andara em colégio privados) foi por me aperceber que à minha super protecção se unia a super protecção da instituição propriamente dita e das pessoas - queridíssimas - que lá trabalhavam. E tínhamos situações do menino perder o dinheiro mas não deixar de comer... como é óbvio. Ou não.
Quando passou para o oficial teve de ter cuidado com tudo e foi uma aprendizagem que me pôs grande parte do cabelo branco. Todos os dias qualquer coisa. Hoje não trocava por nada deste Mundo. Aliás grande parte da coragem de vida que ele hoje tem deve-se a ter aprendido a (sobre)viver. Não foi tarde para o meu.
Não é tarde para o País.
Ontem lia que AFINAL os Portugueses são bons a regatear preços. Foi preciso sapatos apertados para muitos acordar.
Ainda é e há tempo. Para tanta coisa. E se cada um na sua inteligência for agindo, reagindo e pensando, quem emigra são os xico espertos que deixam de ter País e Toinos para "enrolar" ahahahah
Abraço,
T
De bolaseletras a 29.01.2013 às 22:18
Pelo que vejo e dizem nos tempos atuais, o que vemos hoje aí na escola pública é bem pior. Será? Lembro-me de alguns episódios por que passei e duvido que hoje se passe o mesmo...os perigos dos tempos de hoje são piores do que os de ontem? Se calhar mais perigoso é deixar os miúdos sozinhos em frente a um pc ligados à net. Mudam-se os tempos mudam-se os perigos (e as vontades, claro);).
De Teresa a 29.01.2013 às 23:50
Bom, os perigos são diferentes. Em grande parte porque há muitas "misturas". E em maior número (quando é que antigamente tu sabias que uma rapariga tinha engravidado? actualmente não há ano em que não ande uma (ou mais) na escola até dar à luz...) E sejamos sinceros os "nossos" filhos não terão as mesmas realidades de vida de muitas crianças de Chelas ou do Bairro da Boavista. Quando os colocas juntos em turmas - e às vezes com idades diferentes (escolaridade obrigatória implica que apanhes com muito marmanjo de 16 anos no 5º ano, anos a fio, em turmas que recebem miúdos de 10 anos) pode ser complicado explicares aos teus as outras realidades - às vezes (quase sempre) demasiado assustadoras até para ti.
Quando fui à primeira reunião de pais na escola pública pensei que só sairia dali para um hospital psiquiátrico para tratamento emocional - desde uma educadora que explicava que os ataques de raiva do miúdo tinham a ver com a infância terrível que tinha vivido (um padrasto que lhe deu um tiro numa perna por ter deixado cair não sei o quê e a mãe trancar o frigorífico a cadeado para que não lhe comessem a comida) ou uma mãe que explicava em detalhe como ia bater e onde e com quê ao filho quando chegasse a casa por causa de uma advertência disciplinar....
Antigamente - e eu também andei em escola pública - todos esses casos "desesperados" ou não iam pura e simplesmente ou havia um controlo na exposição. Lembra-me aquela anedota do cigano que a Professora perguntava o que tinham comido ao jantar e os outros diziam costeletas, bifes, marisco etc e o cigano "sopa". Um dia disse ao pai que os outros comiam coisas maravilhosas e que ele dizia sempre sopa e o pai disse-lhe "quando a professora perguntar amanhã respondes: comi faisão senhora professora" e o ciganito todo contente quando chegou à altura dele disse "comi faisão senhora professora" e a professora perguntou "isso é bom. e comeste muito?" e o ciganito "duas malgas senhora professora".
Hoje esconde-se, talvez, menos. Mas não é só no bom ou no engraçado, é também no mau e assustador. E isso choca. E assusta.
Não foi fácil e tens de perceber a maturidade - física (importante!) e emocional - antes de tomar esta decisão. E a vossa disponibilidade, como pais, para complementar o que serão lacunas na educação que a pública não tem como dar (e com tanto corte cada vez menos). Os meus filhos foram a mais Museus, Teatros, etc nos primeiros anos de escolaridade com os Colégios do que em toda a restante vida escolar. Só colmatada porque nós assumimos o papel de principal educador. Mas aqueles que não têm disponibilidade? Ou saber? Pois...
De Teresa a 29.01.2013 às 13:07
Cada vez que "estudo" com a filha mais pequenita fico pasmada como aquilo é tão mau, tão insuficiente - há livros de algumas disciplinas que nem faz sentido, não há uma linha, não há rigor, não há profundidade. Depois vem uma impreparação - pedagógica já nem refiro - de alguns professores (meter uma professora à beira de esgotamento a ensinar adolescentes e com casos problemáticos é para quê?! ou para quem?!)
Aprendias mais e melhor francês com os emigras durante um Verão no Norte Profundo... ou História nas tertúlias com o Tio Armando, do que em 12 anos de escolaridade o-b-r-i-g-a-t-ó-r-i-a * E os miúdos aprendiam a ouvir (outra grande lacuna da "nossa" educação) e a adorar aprender.
Os Pink Floyd cantaram isso no momento da grande viragem, já viste bem?! Parece que ninguém ouviu... ou quis perceber. Cá, e lá!
* tivemos almoço de família no Domingo e o meus sobrinhos brindaram-nos com as pérolas da (des)educação real nas nossas escolas. Ambos leccionam no Concelho de Setúbal e eram estes jovens, e não tão jovens, professores do Portugal REAL que deveriam ser ouvidos antes de decretarem escolaridades obrigatórias, integração de diferentes realidades etc, e outras brincadeirinhas de mau gosto que têm saído desse Ministério.
De Teresa a 30.01.2013 às 11:43
Ontem e Hoje. O mesmo. Sem o ser. Verdadeiramente.