Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
A zona de interesse - Martin Amis
Passamos metade da vida em busca dos livros que gostamos de ler, porque o tempo é escasso, porque temos perfeita consciência de que até ao último dia do nosso passeio pela existência não leremos um milésimo dos livros que desejaríamos devorar. Para mim, um bom livro é uma boa provocação, mexe comigo, abana-me, arrebata-me, obriga-me a parar a leitura porque tudo aquilo precisa de ser absorvido. Por vezes Martin Amis deu-me tudo isso (com “Koba, o Terrível”, com “Money”), como também já me desiludiu como um amante flácido desilude uma ninfomaníaca (“O Cão Amarelo”, um vómito irreconhecível de Amis). Com “A zona de interesse” coloca-se a questão ética de saber até onde pode ir um escritor, por mais que o título de “provocador” conste no seu currículo. Escrever sobre os campos de concentração nazis nunca foi fácil, imaginem o que é criar um romance de cordel por entre assassínios em massa nas câmaras de gás e conseguir pincelar tudo isso com um humor negro que tem a ousadia de nos fazer vincar os cantos dos lábios, envergonhados pelo sorriso que espreita. Como sempre, é a banalidade do mal que nos faz tremer na confortável poltrona, enquanto desfolhamos páginas quebradiças como os corpos daquelas vítimas esfaimadas. Tudo o que lemos está para lá do que é plausível, todo aquele terror está para além do que conseguimos compreender, mas tudo aquilo existiu. Amis resumiu tudo isto numa entrevista, quando disse que os sobreviventes do Holocausto repetiram incessantemente que apenas conhecemos 5% do que é uma pessoa e 5% do que somos na vida real, numa vida normal. É apenas quando tocamos os extremos das existência que nos confrontamos com a extensão da nossa coragem, que pode reconhecer-se no facto de estarmos preparados para fazer outros sofrer para nosso benefício ou, do ponto de vista das vítimas, quando nos deparamos com o terror de descobrir quem realmente somos nós e os outros.