Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Frisson
Fotografia por Sam Haskins
Abriu o e-mail e sentiu um arrepio na espinha. Não sabia bem como descrever essa sensação, mas sentira mais naquela manhã (sentira-se mais viva, mais mulher) em que, por um qualquer impulso não explicado, decidira começar o dia a abrir o seu correio electrónico pessoal, do que sentira nas últimas tristes e rotineiras semanas de trabalho. A mera percepção de que o remetente da mensagem era ele provocava-lhe um je ne sais quoi, um frisson, um estranho e distante arrepio na espinha - em tradução livre e em bom português. Dele aprendera a receber uma multiplicidade de imagens e sensações. Da vida, do dura que pode ser, mas também dos seus prazeres, dos que já sentira, daqueles que ainda lhe massacravam o corpo e a alma por estarem em falta, e daqueles que ainda sonhava vir um dia a experienciar. Dele recebera também um melhor conhecimento de tantos ângulos da vida. Ângulos duros e bicudos, mas também ângulos torneados pelo desejo e pelas curvas do seu corpo. Sim, sentia que tudo aquilo que em tempos se esfumara parecia agora ainda não ter terminado. Um dia, talvez um dia reunisse em si a coragem e a sabedoria que lhe permitiriam perceber que há passados que serão sempre presente, que há pessoas que por mais que as matemos viverão para sempre em nós. O segredo não passa por conseguir sobreviver a esse ditoso destino, o segredo é saber (con)viver com ele.