Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
O melhor bairro do mundo
O Dinis escreve que é um deleite. Só por isso, seria alguém sobre quem a minha admiração tenderia, sem custo e com prazer, a debruçar-se. Acresce à arte com a pena o facto de o Dinis ser dos Olivais e ter um orgulho maior do que o mundo por ser filho dessa terra mítica. Para quem não percebe o que é ser dos Olivais fiquem com as palavras dele. Não pedi ao Dinis permissão para publicar este texto, mas estou certo que como quem empresta dois ovos ou dois papos-secos o Dinis não se importa de emprestar estas linhas sobre o amor que tem ao bairro que é impossível não amar: o bairro dos Olivais.
“Às vezes, antes de ir deitar-me, gosto de ir à varanda de minha casa e ficar a olhar, por um minuto, o silêncio nocturno do meu bairro. É um bairro de gente boa, de gente inimitável, que solta do mesmo modo genuíno a maior pérola e a maior alarvidade. Aqui há gente que deixa tupperwares com água ou comida à beira dos prédios, para os cães e os gatos da rua se servirem, se quiserem. Aqui há gente que, pela fresquinha, deixa as portas de sua casa abertas e vai para os bancos de jardim ver as crianças a brincar com o futuro e os velhos a suspirar com o passado. Aqui há gente que empresta dois ovos ou dois pães para um vizinho não ter de ir às compras só por causa disso.
E que se ofende se, a seguir, lhos formos devolver ou pagar.
É um bairro de gente boa.
As cinco dúzias de automóveis parados, as três dúzias de árvores quase todas mais velhas do que eu, as duas dúzias de prédios que vejo, todos sublinham em harmonioso silêncio o descanso tranquilo do bairro. Os prédios estão quase todos com as persianas para baixo, como se também eles, à imagem dos seus habitantes, tivessem fechado os olhos para ir dormir; como se também eles tivessem interrompido a azáfama do dia para sonhar os seus sonhos, questionar as suas filosofias, contemplar os seus cansaços.
Só há meia dúzia de luzes acesas, além dos candeeiros de rua de que apenas os cães e os gatos vadios beneficiam. Numa casa um estudante deve estar aflito com um exame. Noutra um casal troca meiguices. Noutra uma mãe tira a temperatura a uma filha. De resto, este magote de gente dorme, descansada, a preparar o corpo para mais um desta procissão interminável de dias que é a vida, alheios ao bairro deserto, aos gatos que se passeiam e ao seu observador silencioso.
É um bairro de mulheres e homens genuínos e eu sou um deles, eu sou um deles.
Despeço-me das árvores mais antigas do que eu e vou dormir, sabedor de que as minhas raízes partilham a terra com as delas.”