Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Saudade
Fotografia de Hans van der Meer, Budapeste, 2000
Dizem que a palavra saudade não tem tradução para a língua inglesa e para muitas outras línguas. Não sei se isso se deve à riqueza da nossa e à pobreza das outras, ou se de facto se confirma que somos um povo saudosista, agarrado ao passado e doentiamente nostálgico pelo que passou, pelas pessoas que ficaram lá atrás ou que, ainda presentes, não mais conseguiremos recuperar. Eu tenho saudades de tudo. De passar os dias na rua a jogar à bola, dos amigos que deixei noutros continentes, dos beijos que não dei, dos que dei e são já passado. A saudade é a nossa forma de dizer que o que hoje temos nunca é suficiente porque o hoje constantemente se esvai e nos entrega ao vazio do que não para de chegar e que sempre nos parece menos do que o que já foi. Somos um povo estranho. Tenho saudades dos tempos em que não me preocupava com isto e muito menos tinha consciência destas idiossincrasias que os genes da nossa lusitanidade nos legaram. Tenho saudades de fazer mossas nos carros com pontapés estratosféricos e de abalar como se aquela fosse a corrida que me salvaria a vida. Tenho saudades de fugir dos ciganos do bairro do Camboja (as barracas da encosta que dava para a Av. Gago Coutinho) ou de lhes fazer emboscadas nos terraços dos vizinhos com projécteis rupestres. Sim, antes os ciganos eram nossos inimigos assumidos, por nós e por eles, e nem sequer se falava em xenofobia ou se fabricavam integrações forçadas. Era assim e pronto, sem teses de doutoramento sobre a fenomenologia das coisas e sem paparazzi a invadirem-nos as ruas e a explorarem-nos as vergonhas. Tenho saudades dos joelhos esfolados da gravilha. Tenho saudades dos beijos que não sei se dei ou se apenas sonhei.