Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


Marilu, Justino e a fonte dos males da condição humana

Quinta-feira, 01.06.23

   

André Steiner.png

Fotografia de André Steiner

 

Por entre dois dedos de conversa, sem grande expectativa no que por aí viria, há uns dias um amigo decidiu de forma leve, como quem descasca e engole dois tremoços amaciados por um golo de imperial, brindar-me com uma simples e cortante reflexão sobre a origem dos males da condição humana. Dizia ele, enquanto analisava distraidamente a espuma da cerveja a esfumar-se das paredes do fino vidro, que a insatisfação é a principal característica que nos distingue dos animais. Somos o único bicho que nunca se contenta. Que não aproveita realmente, mesmo que por momentos pareça que o está a fazer. Somos o único ser vivo que nunca está presente. Estamos sempre a pensar no amanhã que virá, que esse amanhã será melhor. Os animais não têm futuro, é-lhes conceptualmente vedado. Por isso, vivem no presente, vivem-no mesmo, porque nada mais há para eles. A insatisfação é a essência do ser humano.

Bebo-lhe as palavras enquanto a imperial amolece no copo. Penso nas horas que perco a observar as minhas duas tartarugas - de seu nome Marilu e Justino - na maravilha que é o funcionamento do seu cérebro reptilóide, invejo-lhes profundamente a forma como repetidamente disfrutam dos seus dias. Comer, dormir, apanhar sol, correr e nadar uma atrás da outra com a felicidade de como se o fizessem sempre pela primeira vez. A Marilu, mais pequenina, morre de amores pelo Justino, também chamado de Justinão devido ao seu imponente porte. O zénite do dia dela é quando, finalmente e após inúmeras tentativas, consegue equilibrar-se no topo da carapaça do seu parceiro e tirar uma sorna de algumas horas, aproveitando o cansaço e a eterna paciência do pobre coitado. Inerte para não a incomodar, o olhar do Justino perscruta o nada, recebe o sol como se fosse tudo o que pretende para toda a vida. O sol, apenas o sol, e o aconchego de Marilu nas suas costas.

Ao fim de 5 minutos já perdemos a capacidade de ouvir o que o parceiro está a dizer. Ao fim de 10 segundos pós-orgasmo já estamos a pensar no que fazer a seguir, como se não tivéssemos acabado de ser abençoados pelo êxtase da criação. Como se disfrutar realmente de um momento por alguns minutos fosse a morte de alguma parte de nós. Como se o amanhã fosse o ansiado e inalcançável presente que eternamente buscamos e em que jamais nos instalamos. 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 16:42

We love to eat them, por Harvey Weir (#perolasdoinstagram)

Sexta-feira, 10.03.23

 

1.png

“*no men were harmed in this photoshoot. We love men and we love to eat them.” 

 

É tão isto. Estamos tão nas vossas mãos. Mesmo que pensemos que estamos assim, entregues e submissos apenas porque o queremos e permitimos, não é essa a realidade. Estamos neste estado de vegetais incapazes de quebrar o feitiço porque o verdadeiro poder está em vós. Na vossa superior racionalidade, no incomparável poder de sedução, na ponta da vossa língua, na volúpia de algodão doce desses lábios de salgado veneno, na fornalha que passeiam negligentemente entre as coxas. Estamos tão fodidos.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 16:25

Amar mulheres, por Helena Coelho (#perolasdoInstagram)

Sexta-feira, 10.03.23

Helena Coelho 8.png

 

“Amo corpos femininos. De todos os tipos e feitios. Amo as mulheres em todos os seus arquétipos e sinto-me feliz por ser uma mulher, uma mulher livre. Mesmo que, por vezes, nos seja dificil sê-lo com as vozes da critica a dilacerarem-nos as asas e a jogarem-nos como trapo de nojo de volta para o interior de uma jaula de portão aberto. UMA MULHER LIVRE. Esta frase soa-me sempre a um titulo de uma canção de intervenção que ainda ecoa na minha geração. Penso isto com mais vergonha e revolta do que vos mostrar a natureza do sitio onde estou e o meu corpo honesto nele.”

 

Helena Coelho 9.png

 

Helena Coelho 6.png

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 11:07

A lenta morte (#perolasdoinstagram)

Quinta-feira, 09.03.23

 

Daria Belikova1.pngFotografia por Daria Belikova

 

De que nos serve a beleza quando jaz nua e fria? O que fazer com a sedução, a tesão, quando os corpos já não se querem, quando o orgasmo se limita ao cumprimento da função biológica de um qualquer cão selvagem? Mergulhar no poço do prazer animal não será entregar a alma ao diabo do desejo cego e gélido? Não fará de nós mais máquinas do que humanos, mecanismos que cumprem funções de forma enérgica e rotineira? De que nos serve a beleza quando a mesma jaz no regaço do fim do amor? Não será esse o lento caminho para a morte de nós?

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 15:08

O tempo da falta de tempo

Terça-feira, 07.06.22

   

1.jpg

 

A arte do sentimento teima em desacompanhar a sucessão vertiginosa de acontecimentos, de exigências, solicitações, expedientes, prazos e tarefas que se atropelam. A vida recusa olhar-se no espelho, ter tempo para o autoconhecimento. Os dias fogem por entre os dedos, não como grãos de areia que, ainda assim, apresentam alguma doce lentidão na sua queda modorrenta, mas como cataratas de água pesada como chumbo. Por entre os afogamentos de sensações perece a empatia, definha a capacidade de olhar e amar o outro, o vulgar outro e o Outro que tudo sempre foi para nós, mas que a vida teima em encostar nas vielas da falta de tempo. Como se a voracidade do tempo fosse mais forte do que nós. Será? Ou será este soçobrar perante a corrida destemperada dos ponteiros do relógio uma mera distração, o deixar-nos levar pela corrente sem sequer tentar nadar no sentido contrário desse silencioso turbilhão? Voltar a saber amar é saber parar o tempo, recusar a escravidão dos supostos “tempos modernos”, os tempos da falta de tempo. Olhar, parar, recusar ir na onda. Viver. Amar.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 10:29

Make love, not war - day 3

Terça-feira, 22.03.22

  

16.jpg

Para que queremos o amor? O que mudamos na nossa vida quando o encontramos? Cuidamos de o alimentar, de lhe atenuar as dores, de lhe retardar o inevitável definhar? Porque o procurámos em primeiro lugar? Amamos o outro como sempre sonhámos ser amados? O excesso de amor, existe? Existindo, onde nos conduz essa ausência de moderação na nobre arte de amar? Aborrecem-nos, amolecem-nos, os desregramentos do amor? Ou, em sentido contrário, o excesso de amor será o rastilho para o recrudescer da semente do ódio que miserável e irremediavelmente habita o ser humano? Será a guerra uma consequência desses excessos, uma resposta aos instintos selvagens que o amor entorpece e que, hipoteticamente, o seu excesso desperta? Para que queremos o amor?

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 10:54

Make love, not war - day 1

Sexta-feira, 18.03.22

 

3.jpg

When the power of love overcomes the love of power the world will know peace.

Jimi Hendrix

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 10:23

Da série "Amor em tempos de pandemia" - Zoom

Sexta-feira, 05.03.21

sex 1.jpg

 

Dificilmente conseguiria voltar a olhá-lo nos olhos. Semanas de trocas de mensagens, piadas inicialmente leves, trocadilhos que foram ganhando peso e temperatura. Foi resistindo ao habitual pedido de dar o passo seguinte dos tempos modernos, o salto quântico para a videochamada. Afinal, ele era apenas um amigo de um amigo, um like numa foto do Instagram, a curiosidade aguçada por um comentário disfarçadamente picante. Confinada há mais de 6 meses acedeu. Sem namorado, sem paciência para os seus eficazes mas gélidos brinquedos e para a melancólica e automática auto-satisfação que lhe concediam, decidiu experimentar caminhos nunca antes desbravados.

Agendou a videochamada para a hora do jantar, prevendo a necessária antecedência para os preparativos. Farta de meias tintas, decidiu arriscar tudo. No seu íntimo, não teve dúvidas que do outro lado ele procurava o mesmo, sexo virtual, sem pudores nem hesitações, algo novo, excitante, garantido. Botas de salto alto, top sexy, o assassino fio dental. Foda-se, até ela se sentia excitada em imaginar que do outro lado poderia encontrar uma mulher com esta poderosa iniciativa. Bebeu um copo de vinho, um trago de whisky e, com 10 minutos de atraso, clicou no link do Zoom. Ele estava sentado no sofá, calções de pano barato e amarfanhado, t-shirt cinzenta encardida, mini Sagres e pacote de batatas fritas entre as pernas. O cabrão estava pronto para assistir a mais um qualquer jogo de futebol, só podia. Silêncio. Mais silêncio. Riso nervoso dele, “desculpa, não estava à espera…”, interrompido por um colérico, mas frio “Vai-te foder, idiota de merda”. Desligou, deitou-se no chão frio e chorou. Chorou por ela e pela falta de tesão no mundo.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 09:39

Nada de nada

Sexta-feira, 14.08.20

  

m.png

 

Por aqui o silêncio acompanha os tempos estranhos que vivemos. Não sabemos muito bem o que dizer, o futuro é incerto, todas as palavras parecem petulantes ou desnecessárias. A vida encarrega-se de desmentir essa ideia idiota de que somos os donos de uma qualquer razão. Tenho por exemplo o hábito de escrever sobre mulheres, relações, seduções, e o que sei eu da vida ou do fruto proibido, do amor ou da falta dele? Quem sou eu para me armar em sabedor de coisa alguma?

 

“- Porque escreves dessa maneira sobre mulheres?

- De que maneira?

- Tu sabes.

- Não, não sei.

- Pois bem, eu acho que é uma pena dos diabos que um homem que escreve tão bem como tu não saiba nada de nada sobre mulheres”

                                                                                       In “Mulheres”, de Charles Bukowski

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 15:08

Mil máscaras

Sexta-feira, 22.05.20

 

covid2.jpg

Quatro paredes que encerram o medo nos recantos do nosso assético casulo. A vida mascarada de vida, o medo convertido no novo normal. Pelo canto do olhar desconfiado as saudades do sorriso aberto de há 3 meses, há 3 meses foda-se, há 3 meses a rapariga da pastelaria sorria enquanto corava e corava enquanto sorria, desfazia-se no calor dos meus galanteios como o creme do mil folhas se evaporava na minha boca a ferver do sorriso dela. Não, não há na minha vida nenhuma loira de generosos e fartos seios da pastelaria do bairro, há apenas a raiva por não ver sorrisos abertos e tímidos por detrás das cirúrgicas máscaras que nos converteram a todos em doentes ambulantes, em hipocondríacos cinzentos e macilentos, zombies sonâmbulos cuja ambição maior é fugir ao bicho, ao Covid, ao coveiro, à cova onde todos acabaremos, com ou sem máscara. O caminho que faremos até deitarmos as costelas na terra fria somos nós que o escolhemos. Preferem fazê-lo a sorrir e a beijar, ou a sentir o bafo do medo encostado a lábios secos e carentes do calor da boca do vosso amor, do engate do momento, da moça da pastelaria de mamas de mil sonhos e folhas? Vejam lá isso, porra.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por bolaseletras às 12:22





mais sobre mim

foto do autor


subscrever feeds



Flag counter (desde 15-06-2010)

free counters



links

Best of the best - Imperdíveis

Bola, livres directos & foras de jogo

Favoritos - Segunda vaga

Cool, chique & trendy

Livros, letras & afins

Cinema, fitas & curtas

Radio & Grafonolas

Top disco do Miguelinho

Política, asfixias & liberdades

Justiça & Direito

Media, jornais & pasquins

Fora de portas, estrangeirices & resto do mundo

Mulheres, amor & sexo

Humor, sorrisos & gargalhadas

Tintos, brancos & verdes

Restaurantes, tascas & petiscos

Cartoons, BD e artes várias

Fotografia & olhares

Pais & Filhos


arquivos

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2014
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2013
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2012
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2011
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2010
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2009
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2008
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D

pesquisar

Pesquisar no Blog