Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Os 3 da vida airada
Suarez, o serial killer devorador de orelhas e derivados passou a noite a oferecer golos com a generosidade de uma inocente freira. Neymar, o brasileiro gingão, entreteve-se a fazer de alemão gélido e eficaz. Messi defendeu com unhas e dentes nos intervalos em que fazia de artista da bola. Ter Stegen, o outro guarda-redes alemão deixou escrito na relva de que nem só de fama vivem os vencedores. Muller passou o jogo a coleccionar lances de amador até marcar um golo magistral. Lewandowski marcou o golo da noite como se estivesse a jogar futebol de salão, naquele deixa que eu deixo que só agora vou chutar. Thiago Messi Alcântara foi o artista da noite enquanto Javier Boateng Mascherano estendia a passadeira ao tal golo de futebol de 5 do polaco. É impossível não amar o futebol.
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Chamem o Murphy!
O nosso Cristiano continuará a ser o melhor ser humano a jogar à bola nesta bola que habitamos. O genial anão argentino não entra para estas contas pela simples razão que extraterrestres possuídos jogam noutros campeonatos. Se no primeiro golo Messi colocou uma mão no troféu do melhor jogador do mundo de 2015, no segundo, ao fazer Boateng desfazer-se como um castelo de cartas um segundo antes de fazer um chapéu, com o seu pior pé, ao melhor guarda-redes do mundo, Messi abraçou para a eternidade o título do melhor do mundo de 2015. Por fim, para os patrioteiros convictos como eu, deu uma bofetada de luva branca com a assistência com que enterrou as esperanças do Bayern de Guardiola. CR7 tem uma última hipótese: eliminar a Juventus e fazer melhor que Messi na final de Berlim. Tudo é possível, mas dava jeito que alguém chamasse o padre Murphy para exorcizar o anãozito endiabrado.
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Coisas da bola - estado da arte
Hoje falava-me um amigo meu da vergonha que foi o jogo Atlético de Madrid vs Milan, em que, numa estratégia concertada, parece que os jogadores madrilenos violentaram fisicamente a única pérola de um Milan decadente - o irreverente, genial e inconstante Balotelli - travando assim a única esperança dos italianos em sair vitoriosos da eliminatória. Dizia-me ele que a estratégia fora concertada pois cada espanhol, à vez, para evitar a expulsão, ia arreando no pobre rapaz. Respondi-lhe eu que gosto muito deste aguerrido e valdevinos Atlético, uma equipa erigida à imagem do guerreiro que foi Simeone enquanto jogador, mas que fiquei hipnotizado a assistir ao descalabro do Arsenal perante o colosso Bayern. Se me irritava o tiki taka dos anões catalães, este tiki taka desempenhado por atletas à séria, por tanques com técnica e por esse mago incompreendido que é Arjen Robben deixa-me extasiado. Por falar em tiki taka, é impossível ficar indiferente à imagem que encima este post, o retrato perfeito de que acima do jogo, da competição, dos milhões, no futebol é sempre possível que os laços criados superem tudo o resto. Messi a abraçar Touré, a humanidade de um génio a dizer que mais do que a genialidade interessa-nos a humanidade. Por falar em abraços, um dia alguém escreverá a história do gigantesco, asfixiante e libertador abraço que Pepe Guardiola ofereceu ao mundo do futebol. Eu que, muito por influência do parolo nacionalismo que CR7 me fez adotar, aprendi a abespinhar-me perante o entediante perfeccionismo do futebol dos catalães, terminei a lição de Manchester a balbuciar: estes filhos da mãe jogam muito, mesmo muito. Felizmente Pepe não permitiu que a odisseia do tiki-taka terminasse aqui – a fantasia não tem fim.
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Bayern Munique 4 - Barcelona 0
Não serei daqueles que irei chorar o fim do tiki taka. Esta noite assistimos a uma das melhores exibições de uma equipa de futebol, um raio de 90 minutos de futebol total, o casamento perfeito entre a técnica, a velocidade, a força e o rigor táctico. Se o mérito do Bayern foi imenso, o demérito do Barcelona assentou num erro crasso do seu treinador: assumiu perante toda a sua equipa a total dependência de Messi ao colocá-lo em campo fisicamente inferiorizado, lançou o futebol do Barcelona no desnorte provocado por essa assunção de, mais do que dependência, inferioridade. Como em todas as actividades colectivas foi o papel do líder que definiu o sucesso: Heynckes não falhou, Tito Vilanova mostrou o que vale como motivador de homens.
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Barcelona B 0 - Benfica 0
Ouvir um político demagogo que vê nos cidadãos os destinatários da sua prosápia de larápio de algibeira, não é muito diferente de ouvir Jorge Jesus apregoar aos sete ventos que “o Benfica fez em Camp Nou o que nenhuma equipa fez” e que ao Benfica “só faltou a vitória para ser perfeito”. Mestre Jesus, o que o Benfica fez foi jogar contra um misto da equipa B/juniores do Barcelona sem uma pinga de arte para vencer o jogo e fazer por merecer o apuramento. Azar? Isso não existe, meus senhores, ao contrário de uma gritante falta de eficácia, de muita tremedeira no momento do remate e de desarmante ingenuidade. Antes do jogo Messi afirmou que o Celtic merecia passar em honra dos seus fervorosos adeptos, algo com que Tito Vilanova discordou apresentando um grupelho de miúdos pouco dignos do emblema que defendem.
A este país faz falta gente que se auto-felicite pela obtenção de sucessos, vitórias, grandes resultados. Celebrar uma eliminação com grandes encómios é próprio dos pobres de espírito ou dos demagogos bacocos. Jorge Jesus devia beber uma poção de humildade e de respeito pela inteligência dos adeptos benfiquistas, benzer-se e ir dormir. Que gentalha, ufa!
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Munta bom mas não chega, JJ
Para além da beleza estética, da paixão que desperta e das emoções da incerteza que comporta, o futebol é também rico em lições de vida e em contrariar ideias feitas. Alguns exemplos que decorrem da noite europeia de hoje:
O ódio e a embirração nem sempre se sustentam em razões racionais – A condição de patinho feio a que os adeptos benfiquistas votaram Cardozo, o melhor marcador benfiquista dos últimos anos.
Dos fracos não reza a história – A forma como o Celtic, uma equipa feita de paixão e de jogadores medianos derrotou a melhor equipa do mundo derrubando esta ideia feita que tanta vezes é esmagada pela magia do futebol.
São os melhores que melhor sabem aguentar a pressão dos grandes momentos – Mentira, mais uma vez. Beto, um grande guarda-redes, comete um erro infantil e injustificável entregando o ouro a Van Persie.
A sorte persegue os audazes – Falso, novamente. Peseiro, um treinador que arrisca muito, que prefere o futebol ofensivo às tácticas do ferrolho, será muito provavelmente um dos maiores pés frios da história do futebol.
E depois, para aligeirar o dramatismo das coisas da bola, temos Jorge Jesus: “os j'gadores do Celtic são munta fortes e os j'gadores do Barcelona são munta pecanitos”. Obrigado JJ.
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Daqui a 20 anos
Daqui a 20 anos espero contar aos meus filhos que tive o privilégio de assistir aos maiores duelos futebolísticos de sempre e de me deleitar com o futebol de dois dos melhores jogadores da história. O Barça-Real é um orgasmo de 90 minutos, Cristiano Ronaldo e Messi são de outro mundo. Daqui a 20 anos espero explicar aos meus filhos, rindo e cantando golos e títulos nas bancadas do Alvalade XXI, que em tempos houve uma direcção que entrou a apostar num treinador, despedindo-o uns meses depois, colocando no seu lugar um treinador dos juniores, para depois despedir também este mais uns meses passados e pôr na sua cadeira um simpático símbolo que treinava a equipa B. Havemos também de rir da facilidade com que o Sporting era destratado por árbitros que não nos respeitavam, que marcavam penalties que só existiam em sonhos. Em resumo, o Sporting pouco arranhou o Porto, mas mesmo que tivesse unhas para isso o palhaço do apito, um tal de Jorge Sousa, tudo faria para lhe cortar as mesmas.
Daqui a 20 anos espero dar um abraço apertado ao meu benfiquista amigo Velho, lembrarmo-nos do susto que ele apanhou 20 anos antes e regozijarmo-nos por esse ter sido o dia em que ele apanhou o susto de uma vida, mas também o dia em que ele assumiu que queria ter uma bela vida pela frente. Meu amigo, os meus pensamentos e a minha força estão contigo, vai correr tudo bem, tem de correr.
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A paixão de Jesus
Podia vir aqui vingar-me das agruras que os amigos vermelhuscos me têm feito passar neste início de época, esmiuçando ao pormenor a diferença de qualidade e classe entre o Benfica e o Barcelona, pondo o dedo na ferida daquele patético meio campo que os dirigentes do clube da Luz fizeram questão em afundar, podia mesmo insistir na ridícula posse de bola do Benfica no propalado inferno da Luz - mas não o vou fazer. Fico-me por uma frase do João Vale, twitando no decurso do jogo, que resume tudo na perfeição: “Estou a ver este jogo um pouco como vi "A Paixão de Cristo". Uma hora e meia de sofrimento e sei que no final não há grande hipótese."
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Pep
Deixem-me sonhar e pensar que daqui a uns vinte anos estarei com os meus filhos, no Alvalade XXI, a despedir-me com esta imensa gratidão de um cansado Ricardo Sá Pinto. Cansado de ganhar, de celebrar, de sofrer, de defender o seu clube até à exaustão, cansado até ao ponto de ter cansado a sua própria ambição. Deixem-me sonhar como só o fazem os sonhadores que não conhecem limites para os seus sonhos.
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Barcelona 2 - Chelsea 2 (demasiada perfeição pode enjoar)
Creio que, finalmente, percebi hoje o motivo por que eu e muito mais gente instruída em matéria de bola andamos fartinhos de ver o Barcelona jogar. Todo aquele carrossel é demasiado perfeitinho, todo o sucesso desta equipa assenta num estilo de jogo burilado ao extremo que praticamente não deixa espaço à improvisação, não obstante toda a arte que transpira do tiki-taka. Falta-lhe garra, erro, capacidade de superar fragilidades porque não as tem, falta calor humano ao futebol daqueles perfeitos rapazes. Foi isso que hoje o Chelsea teve de sobra. Muitas fragilidades compensadas por uma alma sem fim, muitas limitações superadas por uma garra interminável, por rasgos inesperados, por redenções constantes de jogadores a que muitos apontavam o fim (veja-se o “velho” Lampard, veja-se o proscrito Torres). A humildade com que o Chelsea aceitou a sua inferioridade face ao futebol do Barcelona é notável, a arte com que defenderam um exemplo. Sim, porque defender é uma arte, a arte ao alcance dos mais fracos. E agora, que venha Mourinho e Cristiano!