Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Irmão, para onde vais tu?
A família não se escolhe, clama o povo na sua infinita e inabalável sabedoria. Terá sido o acaso, o destino, a maldita ou bendita providência, dependendo das épocas e da ponta do Atlântico de onde se olhe, que fizeram de Portugal e Brasil países irmãos. Olhando para os últimos anos de voltas e reviravoltas da democracia e politiquices por terras de Vera Cruz, creio que pouco mais se poderá esperar do que o crescimento das desigualdades sociais, do crime, da corrupção endémica e, muito provavelmente, de um banho de sangue pelos ódios e guerrilhas de baixa política a que temos vindo a assistir. A preocupação dos políticos brasileiros tem incidido em tudo menos no que deveria exactamente ser feito para combater as chagas culturais e civilizacionais entranhadas no tecido social e político desse país tão maltratado pelos seus.
Podendo parecer piadinha de mau gosto, defendo que um dos maiores problemas do Brasil é o excesso de sol, de boa vida, de sorrisos empanturrados em “geladinhas” e águas de coco, tão bem condensados nessas semanas de dolce fare niente e muito samba que o Carnaval oferece ao seu povo folião. Quando em 1950 Pierre Verger, por terras de Salvador da Bahia, fotografou a cena que ilustra este post, descerrou a placa que resumiu o Brasil em poucas palavras: o pecado escondido por trás da máscara, a inocência malandra e pronta para passar para lá da fronteira que a separa dessa tentadora linha que conduz ao outro lado da máscara.
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Ordem e progresso
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Quéqué isso, cara?
Um país fantástico, terra de alegria, de paisagens deslumbrantes e de mulheres de beleza esfusiante. Um amigo emigrado por terras de Vera Cruz enche-me o telefone de fotografias de belezas brasileiras de fazer inveja ao mais viajado dos mortais. Respondo-lhe que ele é um homem de sorte, que quase dá para esquecer a pobreza endémica, a corrupção generalizada, a violência policial e popular, os sistemas de educação e saúde públicos e miseráveis. A resposta dele tarda um pouco, mas vem em jeito de triste encolher de ombros: “o Brasil é um país fantástico, o problema são os brasileiros”. Enfim, coisas de país irmão.
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Podia ser cá para o nosso cantinho, mas, face à atualidade, é todinha para o país irmão
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É Carnaval, ninguém leva a mal
Prometi a mim mesmo que não iria criticar o nosso querido luso Carnaval, o que era já um clássico do entrudo do Bolas e Letras. Porque a chuva não pode fazer esmorecer a alegria, porque o frio não manda nisto, porque se olharmos bem para o que se vê pelas ruas das nossas carnavaleiras cidades podemos até descobrir laivos de puro divertimento, muita imaginação e espírito criativo e, claro, não podia deixar de ser, a já clássica sensualidade luso-carnavalesca. Cantam-se loas ao Carnaval brasileiro, mas ninguém aponta o dedo ao excesso de gente desnudada, à vulgaridade e à inegável exploração da mulher enquanto mero pedaço de carne. Fiquem então com algumas belas imagens do nosso encantador e tradicional Carnaval, logo seguidas de outros vergonhosos retratos do lado de lá do oceano. Se há momento em que se pode aplicar com propriedade o ditado “Vá ao diabo e escolha”, este é um deles. Como dizia o bom do saudoso Diácono Remédios, “não habia nexexidade”.
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Tostão, craques e a bola bem redondinha
Perceber de futebol, saber ler o que se passa por entre aquelas 44 pernas que maltratam uma solitária bola, é uma arte que tem tanto de difícil como de simples. Nas poucas linhas que se seguem, Tostão, o outrora grande jogador, depois médico e actualmente cronista da Folha de S. Paulo, explica o que há para saber sobre Neymar, a atual seleção do Brasil, as diferenças de Neymar e Messi do clube para as seleções, e o porquê de Portugal não ser ainda o Brasil. Bebam e aprendam.
“Quem não concorda que Neymar é um craque é doente da alma e enxerga pouco. A dúvida está na comparação com os maiores de outras épocas. Não disse que Neymar é o melhor jogador brasileiro depois da Era Pelé. Escrevi que poderá se tornar. Imagino que será, pelo imenso e belíssimo repertório, e não apenas pelo número de gols que fará. Em um período maior, muito mais importante que o número é a média de gols, desprezada em muitas estatísticas. Não deveríamos misturar a admiração e as críticas à pessoa com as qualidades técnicas do jogador.
Nas comparações, costumamos nos esquecer de Garrincha, por causa do tempo e por seu estilo incomparável, fora do padrão das análises técnicas. No Botafogo, quando recebia a bola, nenhum companheiro podia chegar perto, para não atrapalhá-lo. O Botafogo jogava no 4-2-3-Garrincha.
Ocorre algo parecido com Neymar na seleção. Ele é tão superior aos outros, que, cada vez mais, descola do conjunto, para tentar decidir sozinho. Isso poderá trazer problemas, pois, nem sempre, ele vai brilhar tanto. No Barcelona, Messi e Neymar fazem parte do jogo coletivo. Messi, na seleção argentina, segue, na maneira de jogar, mais ou menos o padrão do Barcelona. Já Neymar é outro no time brasileiro, na posição e na postura. Tenta mais jogadas individuais. É um dos motivos de, às vezes, Neymar brilhar mais que Messi nas seleções.
(…) Discordo que o Brasil não joga melhor por causa de Dunga e que, cada vez mais, se parece com Portugal, pela dependência de Cristiano Ronaldo. O Brasil não joga melhor porque só tem um craque, mas possui um sistema defensivo muito superior ao de Portugal. A equipe marca muito bem, quase sempre com uma linha de quatro no meio-campo (dois volantes e um meia de cada lado), na proteção dos defensores. Defender bem é também importante.”
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E o burro sou eu?
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O segundo 7-1 mais importante da história do futebol
Outra inimitável beleza do futebol é a sua imprevisibilidade, é saber que se há dois dias perguntássemos aos inúmeros génios da análise táctico-técnico-futebolística qual seria o resultado da meia-final de ontem ninguém se aproximaria do resultado final. Após o jogo, aí não havia cabecinha pensadora que não tivesse explicação para o ocorrido, quem não desse até a entender que a debacle da turma canarinha seria até expectável. Que o Brasil não treinava, que Felipão tinha apostado tudo na emoção em detrimento da táctica, que os dois médios mais o menino Bernard contra o melhor trio de centrocampistas do mundo era suicídio colectivo, que David Luiz errara muito, que Marcelo errara mais ainda, não havia pinguim que não esticasse o pescoço para botar faladura. Não adianta, minha gente. O Brasil perdeu porque tinha todo o peso de uma nação nas costas e, além dos seus dois líderes fora do jogo, tinha pela frente uma equipa que só joga o que quer e o que precisa, quando quer e ao ritmo que quer e que quando o quer é simplesmente avassaladora. Depois do primeiro golo, bastava olhar para a expressão dos jogadores brasileiros para perceber que o medo lhes toldaria os movimentos e o pensamento nos próximos minutos.
Sim, a preparação técnica e táctica das equipas de Felipão deixa muito a desejar (há o Mundial de 2002, sim, mas há também duas derrotas com a Grécia no ano em que com a melhor selecção de sempre Portugal perdeu o Europeu, há uma curta e patética estadia do sargentão no Chelsea, há um regresso peripatético ao Palmeiras também marcado pelo insucesso). Por outro lado, parece que toda a gente se esquece e ninguém quer lembrar que a Espanha foi campeã do mundo e da europa assente numa equipa toda ela burilada por Pepe Guardiola. Agora é a Alemanha que dá cartas suportada em mais de meia equipa do Bayern de Munique. Espera lá…quem é que treina atualmente a equipa bávara? Às vezes é tudo tão simples de explicar que até dá vontade de não o fazer, não é senhores especialistas e génios do comentário da bola?
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E quem leva o caneco?
À frase mil vezes repetida e imortalizada por Gary Lineker ("o futebol são 11 contra 11 e no fim ganham os alemães"), acrescentou ontem o ex ponta de lança inglês a seguinte reflexão: "o problema com os alemães é que eles são alemães", vincando ainda mais a hercúlea tarefa que é derrubar a muralha teutónica. O Brasil chora Neymar e Tiago Silva, dois esteios da equipa. Tostão, na sua sabedoria, defende que se o Brasil erguer a copa conseguirá um feito ainda mais heróico, se a perder terá a mais perfeita das desculpas. Eu, que sempre disse que isto era dos alemães que jogam sempre só o que precisam para marcar mais um golo que o adversário (excepção a Portugal, que entregou o ouro todo ao bandido), ainda ponho a hipótese que 11 rapazes vestidos de amarelo, carregados ao colo por uma nação, um hino e uma missão (esperemos que sem o colinho de mais um árbitro) possam contornar a máquina germânica. O que seria melhor para o futebol? Talvez que não fosse um árbitro a decidir o que outros pensam que é o melhor para o futebol.
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E se o Brasil não ganhar?
A D. Presidente Dilma já veio dizer que isto de se atacar o Mundial porque se gastou muito face ao que se investe em educação e saúde é uma falsa questão, pois parece que afinal estes milhões esbanjados em estádios, acessos aos mesmos, etc. e tal são uma migalha no meio do oceano dos gastos públicos com as escolas e os hospitais dos cidadãos canarinhos. Ora, conhecendo-se a anedota que são esses serviços públicos essenciais, ou o governo de D. Dilma está gastando muito mal (atente-se ao gerúndio bem abrasileirado, para não falhar nada) ou os brasileiros estão-se queixando de barriga cheia. Não encontro melhor forma de fazer a ligação destas questiúnculas políticas com o arranque do Mundial, senão citando o grande Tostão, herói da conquista da copa do mundo de 1970 pelo Brasil, médico, e agora um dos mais interessantes comentadores das coisas da bola que por aí se vão lendo:
“Amanhã, começa a Copa. Aumentam o nacionalismo e o ufanismo. O povo se emociona. Os políticos tiram proveito. Os canalhas, acostumados a roubar dinheiro público, choram, abraçados à bandeira brasileira. Empresários lucram com o orgulho nacional. Se o Brasil ganhar, os jogadores serão heróis. Se perder, serão chamados de mercenários e de pouco patriotas.
(…) Na véspera da final da Copa de 1998, Zagallo disse que a Seleção só perderia para si mesma. Dias atrás, Marin falou que só uma fatalidade tira o título do Brasil. Parreira já tinha dito que a seleção está com a mão na taça. Arnaldo Ribeiro, da ESPN Brasil, acha que o time brasileiro é favoritaço. Alguém já pensou na possibilidade de o Brasil não ganhar a Copa?”
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