Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Verdes anos - Carlos Paredes
Carlos, filho de Coimbra e da alma musical dessa mítica cidade, não fez por menos e fez-se igualmente filho e neto de Artur e de Gonçalo, exímios feiticeiros da guitarra portuguesa. Como qualquer vocação que se quer contrariada, Carlos negou os desejos de sua mãe e aprendeu “a tirar da guitarra sons mais violentos, como reacção ao pieguismo langoroso a que geralmente a guitarra portuguesa estava ligada”.
Tenho em mim uma memória longínqua e adolescente de um concerto de Carlos Paredes, não me recordo onde nem quando, só retive as cordas vibrantes e desesperadas, os gritos surdos que se me colaram, a quem, muito provavelmente, deverei esta minha torta natureza de poeta vadio. Verdes anos.
Autoria e outros dados (tags, etc)
Jim, the one and only
Jim Morrison, 1968, fotografado por Art Kane
Confesso que desconfio de gente da minha geração que não partilha de certos gostos. Quando oiço alguém torcer o nariz à música dos Doors reconheço, quase automaticamente, que estou perante um caso agudo de pedantismo, de falta de vida, de enconadice latente. Sim, a ditadura dos gostos é tudo menos politicamente correcta, mas há assuntos indiscutíveis, como sejam ter alguma vez na vida pedido lume a uma moça com um “Come on baby light my fire”, ter devorado o “The end” às escuras no quarto quando os nossos pais não nos deixaram ir àquela festa ou, quando sempre conseguimos ir a essa festa, termos andado à biqueirada numa discoteca embalados pelo "Roadhouse blues". Há merdas que não se discutem.
Autoria e outros dados (tags, etc)
Parabéns Bandeira, até já Ou Mun!
Cerca de 18 anos passados regresso à boa e velha Macau, Ou Mun segundo os locais, terra que tornou os adolescentes lusitanos que aí viveram, nos quais tenho o privilégio de me incluir, personagens fascinantes e misteriosos, os últimos heróis na terra. Amizades inquebrantáveis, amores inesquecíveis, experiências difíceis de igualar, tudo ali era novo e desafiador, tudo era barro para moldar homens em corpos de rapazes. Volto para matar saudades do cheiro inconfundível daquela terra que todos os anos conquista mais um pedaço ao mar, volto para abraçar o nosso amigo irmão, grande Mestre Bandeira que hoje faz anos e que está feliz pois amanhã nos terá nos seus braços, aos seus irmãos! Até já, Bandas!
Autoria e outros dados (tags, etc)
Coelhinhos e coelhinhas
Ainda me lembro de quando a época Pascal rimava com carestia e penitência, em que se abdicava dos prazeres da carne e se privilegiava refeições em que o peixe mandava na mesa (o que estavam a pensar, seus pecadores?) e se reflectia sobre os pecados cometidos, preparando a alma para a temida presença junto do prior no confessionário. Sim, eram assim os tempos da adolescência e juventude pascal para um jovem nos finais dos anos 80/inícios de 90 que consumia catequese, que não vivia alienado por tablets e por séries televisivas, e para quem o Santo Graal da existência era sinónimo de trepar árvores com os amigos e perseguir uma bola e canelas alheias até ao sol se deitar. Hoje a Páscoa são escapadinhas à neve, viagens para terras onde o sol ofuscou as penitências e reflexões pascais, apenas mais uma pausa na rotina do casa-trabalho / trabalho-casa. Valha-nos a boa e eterna Kate Moss, para nos lembrar que a Páscoa não são só coelhinhos de chocolate mas também coelhinhas de boas carnes e suculentos ossinhos. Fiquemo-nos com a primeira parte do post para refletirmos sobre o que andamos a fazer com as nossas tradições, passando logo a seguir para a descompressão KateMossiana que nos ajuda a aliviar o peso de em permanência buscarmos o sentido da vida.
Autoria e outros dados (tags, etc)
Da passagem do tempo e da vontade de o festejar
Sempre adorei as festas dos outros. Aniversários, casamentos, despedidas de solteiro, tudo o que envolvesse convívio bravo, aberto e fraterno, com boa comida e melhor bebida. Já no que toca a festejar o meu aniversário com pompa e circunstância já não o faço aí desde os 16 aninhos. Casamentos então nem vê-los, que eu gosto de arroz no cabelo mas é dos outros. Isto a propósito de mais um aniversário que amanhã chega e que conto passar discretamente, sem festividades nem grandes alaridos. Sempre fui dizendo que sou assim porque não gosto de palmadinhas nas costas em demasia nem de ser o centro das atenções. Não será defeito, talvez apenas feitio. Mas os anos passam e o auto-conhecimento das razões que pensávamos bem sabidas aprofunda-se. Será que a idade a avançar piora ainda mais esta má relação que tenho com os meus aniversários, mesmo que inconscientemente? Sim, é possível. Se há 30 anos um aniversário era promessa de mais uns centímetros, se há 25 era esperança de mais liberdade (isso, chegar mais tarde a casa), há 20 já a coisa piava mais fino, pois o peso da responsabilidade já amachucava e me entregava ao mundo. Hoje vejo mais além e, lá à frente, não vejo mais centímetros ou mais liberdade, mas sinto ainda mais o peso da responsabilidade agora que tenho que zelar pelo sono e pelos sonhos dos meus filhos. É mau, isso? Não, é o que é e o que tem que ser, e pode ser encarado com um sorriso nos lábios. Só não me peçam para lançar serpentinas, explodir com garrafas de champanhe e apagar velinhas. O que é demais é demais. Já agora, obrigado aos que me aturam vai para uma data de anos, alguns deles, pobres coitados, fará amanhã 42 anos. Beijos e abraços que amanhã a tasca está fechada, não para luto mas para profunda reflexão (ou para por o sono em dia).
Autoria e outros dados (tags, etc)
Aqui vou eu para a Costa, aqui vou eu cheio de pica...
Há momentos em que me recordo intensamente dos doces tempos de juventude em que tudo era leve e em que a palavra “responsabilidade” pertencia a um mundo longínquo, lá longe, aquele planeta estranho em que os adultos viviam ensarilhados. Lembro-me de sair às 8h da manhã com os amigos, apanhar o autocarro 28 até ao barco que nos levaria à Trafaria, depois a pé com as mochilas, o tijolo a bombar, em direcção ao dolce fare niente de S. João da Caparica. Nestes dias em que o tempo para tudo é quase nada dava tudo por um dia de papo para o ar na praia de S. João, entrecortado pelos mergulhos e as carreirinhas na água gelada da Costa, pelas intermináveis peladinhas na areia da maré baixa. Those were the fucking days.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A falta que me faz o tempo em que o tempo não me fazia falta
Nota para memória futura: convencer os meus filhos daqui a uns aninhos, inicialmente com argumentos lógicos e facilmente assimiláveis por jovens imberbes e inconscientes, depois, se necessário, com gritos desesperados e lancinantes embrulhados em chantagens tonitruantes (tudo a vosso bem, meus queridos rapazes) que a melhor forma de preencher os tempos mortos em que passam o tempo a martirizar-se com as grandes angústias da adolescência ou a carpir mágoas pelos amores correspondidos e pelos desamores (*#)odidos, é ler, ler sem parar, encher a cabeça de histórias, ideias, de combustível para o cérebro e para a acção bem fundamentada. Não quero que cheguem à vetusta idade do vosso pobre pai com a triste convicção de que ficaram tantos livros por ler, não por falta de tempo mas por completa estupidez no preenchimento dos vazios de tempo que deixou escorrer por entre os dedos. Isto não é por mal, rapazes, é só porque gosto de vocês acima de tudo. Vejam lá isso.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O regresso da poesia - Saudade
Na adolescência escrevia poemas com a frequência com que o Jardel metia a redondinha lá onde a coruja dorme. A juventude chegou e isso da poesia perdeu espaço para as coisas práticas da vida (copos, miúdas, copos e miúdas). A capa de gajo sensível que as moçoilas sempre apreciaram em mim (aquelas que valiam a pena) foi perdendo brilho à medida que os genes olivalenses ganhavam força, que macho que é macho anda lá agora a escrever parvoíces em forma de verso. Hoje, ainda longe da fase da vida Mário Soares “Estou-me a cagar para o que digo e para o que pensam do que eu digo”, terá chegado a altura de voltar atrás no tempo e, talvez, quem sabe, voltar a ser um pouco mais do que realmente sou. O que ontem foi um texto sobre a saudade, floriu e desabrochou num poema de saudade. Nunca é tarde para voltarmos a ser adolescentes, nunca é tarde para um poema.
Dizem que a saudade não se traduz
que a língua inglesa a desconhece
que é só nossa
esta ausência indefinível
esta dor sem cheiro.
Dói quem a vida nos abandonou
dói quem fica mas para sempre se perdeu.
Tenho saudades de tudo.
Dos dias sugados a jogar à bola na rua
dos amigos dispersos para lá dos oceanos
dos beijos que não dei
dos que dei e são já passado.
Saudade é bradar ao vento que o que hoje temos não chega
o que hoje se esvai só
nos lega o vazio
o que recebemos é sempre menos do que ontem tivemos.
Somos um povo estranho
marinheiros perdidos na inconsciência desta lusitana maldição.
Saudade é ser Verão todo o ano
sentir as memórias do sal a beijar o corpo
a espuma do mar a secar-nos na pele.
Saudade é impedir que os caminhos da memória
esbarrem numa parede nua e fria
é esgotar as palavras que estavam por dizer ou inventar
é deixar as memórias no lume brando da fogueira
que conforta as noites frias.
Tenho saudades dos joelhos esfolados na gravilha
dos beijos que dei ou que apenas sonhei.
O que somos é feito do passado que tecemos.
Autoria e outros dados (tags, etc)
"People are Strange" - The Doors
Autoria e outros dados (tags, etc)
Dificilmente não são a melhor banda do universo e arredores, dificilmente esta não é a melhor canção de todos os tempos