Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
A Deus
Detalhe de “Extrema Unção”, de Nicolas Poussin
Adeus.
Esta despedida que hoje proferimos demasiadas vezes, tantas vezes com excessiva leveza, nasceu da despedida terminal, da expressão outrora usada pelos padres para recomendar as almas ao cuidado de Deus. “Eu te recomendo a Deus”, outorgavam os curas no leito da morte. Hoje, quando tudo é abreviado, em modo rápido e que não canse a língua, fica o singelo e esquivo adeus, sem sequer ligarmos à importância do que dizemos, ao divino que tudo envolve e justifica. Do outro lado do canal da Mancha também os ingleses esquartejaram o conforto da expressão “God be with you” para um pervertido goodbye, a despedida de quem interrompe uma paint para ir bafejar um cigarro à porta do pub da esquina.
Não obstante, a aparente leveza que este despedaçado adeus assume, contrasta com os nossos receios em dizê-lo, com o confortável peso que carregamos em nós por termos alguém que nos dá vida, alguém que nem sonhamos vir a tocar com o verdadeiro significado desse beijo da morte que é dizer-lhe adeus. É bem provável que este abreviar das palavras derive, mesmo que inconscientemente, da patética tentativa para que essa despedida não assuma as proporções de outrora, que o simples adeus não entregue a pessoa amada nas mãos de Deus. A Deus o que é de Deus, ao homem o singelo adeus.
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Do corpo e do espírito
Um bom amigo, mais dado aos prazeres dos sentidos do que aos do espírito, pediu-me um dia, a meio de uma batalha de imperiais, para que na sua lápide ficasse escrito o seguinte epitáfio: “Foram mais as que quis dar do que as que dei”. Quando me ri do seu pedido, ele irou-se e fez-me prometer, sobre a espuma derramada de uma mesa cheia de imperiais, que cumpriria o seu último desejo. Ainda hoje não sei o porquê dessa estranha vontade. Talvez rir-se na cara do mundo, talvez uma amargura animalesca que lhe feria a alma e que necessitava de expurgar, talvez um aviso para o mundo, para a felicidade futura dos seus entes queridos que o visitariam no aniversário da sua morte.
Eu, que não desprezando os deleites do corpo me apego bastante aos prazeres do espírito, deixaria inscrito na minha lápide: “Foram mais os que quis ler do que os que li”. Com pena minha, será essa uma das tristezas que legarei a esta vida. Leiam isto e pensem nisso. E leiam.
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E depois do adeus
Fotografia por Ferdinando Scianna
Para onde vai o amor depois de morrer?
Com foi possível deixar de a amar?
Era feita de céu e de mar
tinha em si todos os cheiros da vida.
Da sua voz nasciam os sons da terra
embalados nos sonhos dos seres.
A sua morada era a das deusas
a origem do amor o seu ventre
era ela a mãe de todas as razões que conhecia para existir.
O que há, senão a morte, depois do amor fenecer?
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Vai quem já nada teme
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Pedrogão Grande
Dor incomensurável. A morte a tomar nos seus braços gente simples, crianças, o terror que só pensávamos existir em filmes de países distantes. Os bombeiros e a GNR a salvar muito mais vidas ainda do que as que se perderam. A dor e a solidariedade de um país impotente. Um Secretário de Estado da Administração interna de carne e osso, humano, calmo por entre o caos, emocionado mas a manter a razão. A natureza em toda a sua fúria. E no entanto sabemos há anos que há muito para prevenir, para atenuar essa força destruidora dos elementos. Os milhares de terrenos privados e os milhares de km de florestas por limpar. O excesso assassino da cultura do pinheiro e do eucalipto. Ainda assim, um presidente omnipresente, humano e solidário a sentenciar que nada mais podia ser feito. Podia sim, mas o elogio aos que ontem e hoje tanto lutaram trouxe-lhe aquelas palavras da alma dorida à boca, ao microfone de jornalistas vorazes. Jornalistas, alguns contidos e humanos, demasiados em busca do sangue e do sensacionalismo do desespero. Choremos os mortos e ajudemos os vivos. E não nos esqueçamos do tanto que ainda pode ser feito para não vivermos mais infernos desta dimensão.
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Longa se torna a espera
Nunca sabemos a falta que nos fará aquela pessoa tão decisiva para a nossa vida, a nossa felicidade e que demasiadas vezes damos por garantida. O olhar de Myke Tyson parecia ser já premonitório de que o seu treinador e pai de substituição poderia muito em breve deixá-lo de novo órfão. Não sei se Tyson teve a sensatez, coragem e sensibilidade de lhe dizer o quanto ele significava para si, o quanto o amava. Estupidamente, dos actos que nos parece exigir mais coragem é aquele que deveria ser mais natural em nós: dizer a quem realmente interessa o quanto gostamos, o quanto a nossa vida é marcada pela sua existência na nossa vida. Não esperemos por termos os olhos turvos do medo da perda. Vejam lá isso.
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Obrigado BB, descansa em paz
“Só e apenas a mulher quase faz acreditar, a este velho ateu, na existência de Deus.”
“A História é uma comparação permanente. E aqueles que a não conhecem estão condenados a repeti-la.”
“O meu avô dizia-me para desconfiar sempre dos homens que não bebem e daqueles que andam sempre com ar grave. Segundo ele, os segundos escondem sempre qualquer coisa.”
“Andamos, há muitos anos, a viver de realidades cada vez mais virtuais, sem afeição recíproca, afastadas das pessoas, e criando modos de existir não coincidentes uns com os outros. A ideia de comunidade foi aniquilada, e o conceito de sociedade sofreu um desvio falho de determinações e, por isso, fatal. Que nos resta? Tentar compreender os sinais das novas gerações.”
“O escritor é um ladrão desavergonhado.”
“Não há mortes naturais. Todas as mortes são injustas como uma culpa infundada, e inúteis como uma heresia.”
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Au revor et merci, René
Não podia ir de fim de semana sem partilhar que não sou muito de sentir mais as mortes das vedetas televisivas do que a de qualquer outro cidadão do universo. São pessoas, não me são íntimas, posso ficar nostálgico mas não sou de alardear a minha tristeza inconsolável porque morreu alguém que me fazia companhia nas noites frias, do outro lado do écran. Isto não é para dizer que estou muito triste pela morte do grande René Artois (para mim, para a família dele era o Gordon Kaye), é apenas para recordar com um sorriso o humor, a graça e a traquinice encantadora com que ele berrava pela sua Michelle, no inesquecível “Allo Allo”. Obrigado pelas gargalhadas, René, valeu!
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Muito obrigado, Senhor Presidente
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No fim
Carrie Fisher aguarda pela mãe, Debbie Reynolds, no seu território, o palco. Uma fotografia que confirma que, mesmo no fim, tudo valeu a pena.