Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
O país em chamas
Temos que nos adaptar às novas condições climatéricas. Toda a Europa e a Califórnia estão a arder. As pessoas não podem estar à espera dos bombeiros e dos aviões, têm de se organizar e auto-proteger. Organizações terroristas apontadas como suspeitas dos incêndios. No meio de tantas alarvidades já ouvidas vem a cereja no topo do bolo pela Ministra, que diz que o mais fácil era demitir-se e tirar as férias que não teve este ano. Mas ainda não chega. Assobios para o ar, dedo acusatório ao tufão Ophelia, aos agricultores que fazem queimadas, ao descuido das populações. A esta hora já morreram mais de 30 pessoas em Portugal por causa dos fogos (nas últimas 24 horas!), bem mais do que no resto da Europa toda e não há ninguém que assuma responsabilidades, que perceba que o sistema de protecção civil do país não funciona, que o Estado está a falhar clamorosamente na sua principal missão, a de assegurar a segurança dos seus cidadãos. Ou a solução passa por termos que substituir todas as florestas por betão, porque não somos capazes de proteger a natureza do mal que os homens teimam em infligir-lhe?
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Putos ao pôr do sol
Correm que nem loucos como se os minutos pudessem ser os derradeiros, aquele jogo o decisivo, as escondidas a mais importante epopeia das suas vidas. Dou-lhes liberdade mas, não deixando de ser o pai relativamente galinha que a modernidade supostamente nos impõe, vou em busca deles. Encontro-os na duna junto à praia, posando para o pôr do sol. E as palavras acabam aqui.
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A Raquel Welch armada em má e gira como nunca
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O vulcão adormecido
Cinco anos depois cruzaram-se como quem tropeça numa cara de há muitos anos, numa qualquer esquina da cidade. Foi numa festa, uma festa chique ou armada ao chique, no bairro dos que querem ser chiques sem deixarem de parecer despretensiosos, sim, esse bairro, o Bairro Alto. Estavam acompanhados pelo respectivo e respectiva, pelo que o cumprimento foi discreto, ligeiro menear de cabeça, como se os quatro anos antes desses cinco anos de distância, como se os quatro anos de tórrida e louca paixão tivessem sido um pormenor nas suas tão vividas vidas. Depois do cruzar de olhos que os abanou até às fundações, após o menear de cabeça mecânico e de coração aos pulos, não mais deixaram de se olhar, primeiro de forma discreta, depois já sem pudor, pois cada vez que um o fazia o outro correspondia. Gin tónicos ela, whiskys velhos ele, tudo contribuía para o descalabro que se aproximava sem tento na língua nem vergonha no corpo. - “Vou lá fora fumar, querido, volto já” – “Queres que vá contigo”? – “Não, deixa, preciso de apanhar ar e fumar um cigarro, não demoro”. Ele nem se lembrou de avisar a respectiva, voltou 5 anos atrás no tempo e, tal como nessa época, só o agora contava. Saíram os dois quase em simultâneo, contornaram a esquina mais próxima e ao “Estás bonito, foda-se” dela ele só conseguiu responder calando-a com os lábios e sentindo-lhe a carne em brasa por baixo do vestido que não escondia o vulcão em erupção, aquele que se julgava extinto há já cinco anos. A natureza é assim e há quem diga que o mais razoável é não a contrariar.
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As pequenas coisas
"Children in the snow", fotografadas em 1950, por Unosuke Gamou
Rir com as as pequenas coisas, as que perduram em nós. A voz da natureza. O frio e o calor nos extremos, a sensação de que estamos a sentir mais do que o habitual. O inesperado. O beijo sem aviso. O riso por nada e por tudo. Dizer obrigado sem a pressão da boa educação, só porque sim. Sentir a chuva e não fugir dela, sentir o agradável incómodo da pele que se entrega à seiva do céu. Sentir a neve e abraçá-la como quem devora algodão doce, sentir que tudo o que é novo é belo e deve ser bebido até à última gota. Depois, voltar a sentir a chuva e a neve e reviver a mesma alegria, como se fosse sempre a primeira vez. Não perder a capacidade inata de nos deixarmos encantar. Não enjoar do verde da relva, do branco da neve, do cristalino da chuva. Beber a chuva como quem ama, louca e completamente.
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Just singing in the rain
Incomoda-me ligeiramente (nada de muito acentuado, mas aborrece-me) esta associação generalizada que as pessoas, a arte, o cinema, a literatura e demais veículos culturais, fazem entre a chuva, a tristeza e a melancolia. Será que quem assim pensa, escreve ou realiza um filme nunca correu de braços abertos à chuva, rindo a bandeiras despregadas, com um bocado de sorte sem roupa a incomodar-lhe a pele, com a alegria desbragada das crianças, com a loucura descontrolada dos amantes que se amam em plena comunhão com a natureza? Não obstante, é de uma beleza docemente triste a Audrey Hepburn, assim capturada pela lente de Richard Avedon, corria o ano de 1959. Ficaria ainda mais irresistível com um sorriso à chuva, a bela e triste Audrey? Tirem-lhe a sombrinha da fotografia de baixo, libertem-na daquele vestido que mais parece um balão e fotografem-na a correr como veio ao mundo, por aquele prado fora, sob bátegas de chuva inclemente e estimulante e verão quanta razão tenho eu. Façam isso na vossa imaginação que o tempo no fim-de-semana é capaz de ajudar ao esforço onírico. Have fun!
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A Formosa ria e o filho que desonra a mãe
Deambulo pelas margens da ria Formosa, em Faro, e ainda que a força da natureza, da água e dos melodiosos sons de patos e gaivotas me devolvam alguma paz que o betão e o metal me vão sugando durante o ano, é impossível fugir à marca do homem. Uma fábrica abandonada, um barco que se entrega à sua sorte e destino nas águas cálidas, o homem incapaz de conceder um espaço intocável à sua primeira mãe. As memórias são minhas, as fotografias partilho-as com vocês.
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Enquanto as folhas caem
Surge sempre aquele dia em que acordamos sem nada para dizer, sem arquivos preparados para alimentar a máquina devoradora que é o Bolas e Letras, sem forças para enfrentarmos o trânsito, as exigências dos clientes, as razões desrazoáveis de cidadãos ávidos de Justiça e eficiente serviço público. Há tanto para dizer e demasiada falta de tempo para o escrever. Há também a preguiça das manhãs de Outono que se espreguiça por entre as folhas que caiem no chão húmido, levemente beijado por tímidos raios de sol. E há ainda razões para não se sair da cama, deixar as folhas cair em silêncio do outro lado das vidraças, abandonar temporariamente o blog, o trabalho, aquela reunião definitiva e imperdível, aconchegarmo-nos ainda mais no casulo de lençóis de flanela e pesadas mantas. Vocês sabem do que é que eu estou a falar.
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A janela
Sou tipo para ter descoberto a fórmula mágica que poderá salvar o mundo e as suas gentes. Uma semaninha a acordar num quarto com vista para a natureza pura, o chilrear melódico mas desordenado dos pássaros, o frio do ar puro que nos abraça sem nos enregelar. Sozinhos, sem gente para conversar ou discutir, sem a muleta da converseta da treta. Nós e o mundo, nós e a natureza, sós e despidos perante os elementos. Sem reflexões e introspecções, sem memórias, sonhos ou pesadelos, tudo limpo. Cabeça limpa, olhos limpos, sentidos limpos, tudo muito nítido no horizonte, sem sombras de ontem, sem projectos para amanhâ. Nós e o nada que é o tudo que a natureza nos dá. Nós a sentirmo-nos apenas nós sem pensarmos no que somos, no que significa estarmos assim, despidos, entregues a nada e a tudo.