Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
Até ao dia
John Henry Fuseli, "The nightmare"
O desejo que outrora fora sonho recorrente era hoje o pesadelo das manhãs. Todas as alvoradas eram acompanhadas de um lento içar do leito, sob o peso da crueza das imagens sonhadas, os sons, a boca distorcida por um misto de dor e prazer. Deixara-a partir com a certeza que o ferro em brasa da sua força, da sua paixão, seria sempre imanente e presente na sua pele, no mais fundo de si. Viveu por entre esses desejos inexplicáveis, assentiu que o que lhe era mais precioso passasse a sonho em forma de pesadelo. Dir-se-ia uma estratégia masoquista e desesperada, uma derradeira réstia de esperança de que o nonsense lhe devolvesse o louco sonho que a razão sempre lhe negara. Mais uma noite, mais um fechar de olhos e um abrir do pesadelo. Até ao dia em que o louco sonho regressasse e lhe despedaçasse a triste razão. Até ao dia.
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Créatures de rêve, Paris, 1952, por Robert Doisneau
Tiraram-lhe tudo, esvaziaram-lhe o sentido dos dias, só não lhe mataram as memórias e os sonhos que ainda se permitia. Estranhamente, os sonhos confundiam-se e perdiam-se nos suaves e quentes braços das nebulosas da memória. Os objetos oníricos que não lhe abandonavam o corpo, os sentidos e o espírito não partiam rumo ao futuro, tal a força com que se ancoravam no seu passado. Sonhar era regressar ao passado. Viver seria abdicar do passado?
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Mensagem fofinha a la Gustavo Santos com votos de um Carnaval à maneira
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Correr, saltar, ver, sonhar
Não corro como corria
nem salto como saltava
mas vejo mais do que via
e sonho mais que sonhava...
(Agostinho da Silva)
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No palco dos sonhos
- Esta noite sonhei que estávamos numa peça de teatro. Fugimos da realidade e no palco, expostos a tudo e a todos, vivemos finalmente o sonho sempre adiado.
- Sonha meu querido. É para isso que serve a arte.
- Não minha sereia, a arte serve para criarmos o sonho perfeito. É a vida que o realiza, em todas as suas imperfeições.
- És um poeta.
- Diante de ti sou muito mais do que sou.
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Summer shoes, winter dreams
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Staying out, dreaming to come in (summer dreams)
O calor sufocante cá fora. O calor irresistível lá dentro. A indecisão, o medo, a excitação de pisar o risco, a irresistível atracção do desconhecido, os preconceitos, o “estou-me a cagar para tudo eu quero é viver”. A canícula inclemente que turvava a decisão, as pernas que fraquejavam e o resto do corpo que ansiava outro corpo. O sol a queimar a chapa do carro e a incendiar o desejo. A lareira da luxúria a arder em lume nada brando. A certeza de que ao consumar do desejo se seguiria o inevitável arrependimento, minutos de prazer inigualável esmagados pelo inefável peso da culpa. Ele no banco de trás a sorrir como se nada daquilo que se passava dentro dela fosse da sua responsabilidade, como se aquele turbilhão que a agitava fossem meras minudências femininas. Esperava apenas, calma e passivamente, como se nunca tivesse duvidado para onde iria pender a balança. A confiante arrogância que lhe dançava nos lábios fazia com que o odiasse intensamente e, contudo, desejava mais do que nunca sugar-lhe os lábios até não mais sentir o sol, o frio, o medo, a excitação, nada, ansiava apenas desaparecer naquele momento, naquele beijo.
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Dêem-nos o sonho, rapazes!
Sem medo, sem vergonha, de sorriso aberto, com prazer, como quem joga na estrada em frente a casa, o primeiro jogo do dia com os amigos, fome de bola, muita fome de bola, como se este fosse o primeiro e o último jogo das nossas vidas. Fazer felizes os nossos, os vossos, os cá de dentro e os lá de fora, fazer brilhar de felicidade caras lindas como a desta menina, fazer lindas caras geralmente feias de tristes ou de poucos sonhos. Sonhar faz-nos mais bonitos e nós queremos ficar mais bonitos, rapazes! Vamos a eles!
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Café da manhã
Adrenalina ritual pausa despertar contemplar abstrair cheiro sabor doce forte manhãs. Noites mal dormidas, sonhos adiados, fuga ao silêncio. Olhar-te nos olhos escondido na chávena que sorvo, fio condutor de prometedoras conversas, desbloqueador de silêncios incómodos. Energia sem a qual tudo esmorece. Tesão. Sangue a palpitar. Ir além do que o corpo permite e a mente concede. Vigor. Sentir mais força do que a que realmente se tem. Negar a entrega. Dominar o jogo. Café. Quente e grátis, como se quer. A partir de hoje. Aqui. No Bolas e Letras. Todos os dias, ou dia sim, dia não, ou quando um homem quiser, ou quando houver tempo para o sorver, ou simplesmente quando os teus olhos encontrarem os meus. A solo ou demolhado em frases supostamente inspiradoras. Acompanhado de uma torrada barrada com enfadonhas banalidades ou abandonado à sua sorte. Café da manhã, a partir de hoje, aqui, no Bolas e Letras.
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Lisboa, 1993, por Gloria Rodriguez
Vou novamente falar mais do que o necessário. Chegará o dia em que me ajoelharei perante o adágio “uma imagem vale mais do que mil palavras” e farei do silêncio uma palavra sagrada e um acto de sapiência. Até lá, morreria se não dissesse que no olhar do homem de fato branco navegam todos os barcos que não chegaram ao porto desejado, nesse olhar de profunda e irrecuperável desolação jazem estilhaçados todos os sonhos que a realidade lhe negou. Depois, a selar a desgraça que se abate sobre o homem de pele escura e fato branco a figura de negro, um cálice de morte que se anuncia na parede suja. O engraxador? Como sempre, na vida, o consolo para a dor é remédio fraco para o mal que nos atormenta.