Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
A vida em full HD
As ruas estão hoje mais vazias. Não falo das ruas da moda, onde se encontram as lojas do momento e os bares que estão na berra, falo das ruas onde antes se brincava ou simplesmente se passeava, sem intuitos consumistas ou de ver e ser visto. As ruas onde simplesmente se andava, para sentir o sol na cara ou o vento frio que nos faz sentir vivos. Os cinemas estão mais vazios ou fecharam. Está tudo online. As televisões, por entre as suas centenas de canais albergam tudo o que possamos querer ver e até o que nem sequer sonhamos que existe. Este facilitismo, este novo mundo à distância de um clic ou de um touch corrói gradualmente a vontade de sair de casa. É fácil adaptarmo-nos ao comodismo. Compramos televisões maiores, tablets mais rápidos e com uma qualidade de imagem acima da que a realidade nos fornece, uma poltrona que faz de sofá e se necessário até nos massaja as costas e entregamo-nos ao conforto das quatro paredes aquecidas e das luzes ininterruptas que nos afagam as meninges. O cheiro da relva e os risos das crianças a subir às árvores guardamo-los na memória. Com sorte, a próxima série é sobre essas memórias e em full HD.
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Au revor et merci, René
Não podia ir de fim de semana sem partilhar que não sou muito de sentir mais as mortes das vedetas televisivas do que a de qualquer outro cidadão do universo. São pessoas, não me são íntimas, posso ficar nostálgico mas não sou de alardear a minha tristeza inconsolável porque morreu alguém que me fazia companhia nas noites frias, do outro lado do écran. Isto não é para dizer que estou muito triste pela morte do grande René Artois (para mim, para a família dele era o Gordon Kaye), é apenas para recordar com um sorriso o humor, a graça e a traquinice encantadora com que ele berrava pela sua Michelle, no inesquecível “Allo Allo”. Obrigado pelas gargalhadas, René, valeu!
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Saudades da televisão dos tempos dos índios e cowboys
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Terapia
Os portugueses precisam de olhar para si e perceber o que os novos tempos lhes trazem. As angústias hoje são outras, os estados depressivos alastram como um vírus imbatível. Há quem fale, há quem chore, mas desconfio que a maioria esconde a dor de sofrer sem sequer perceber porquê. A RTP, conduzida pela mão sabedora de Virgílio Castelo, teve a excelente ideia e correu o risco de levantar o véu sobre essa dor, os seus ínvios caminhos, sobre um possível tratamento/alívio da mesma. Não falo da terapia, falo de deitar cá para fora, de falar. Por mais de uma vez disse a pessoas que se afundavam nesse nevoeiro de sentimentos que, caso não quisessem falar com um profissional, que escolhessem um amigo, um bom ouvinte, para falarem, para deitarem cá para fora, para chorarem. Como diz e bem o bom do Virgílio, é na dor que crescemos, mas se queremos ser felizes precisamos de afectos, de gente na nossa vida.
“O que fazemos de mais importante é nascer e morrer, e aí estamos sozinhos. (…) Há uma rede que se vai criando, porque fazer isto tudo é uma trabalheira enorme e não tem metade da graça. Mas quando olhamos para trás e pensamos na nossa vida, apercebemo-nos que é sempre na dor que crescemos. E nesses momentos, mais uma vez, estamos sozinhos. Tudo o que é estrutural na vida é feito sozinho, mas de facto aquilo que a física quântica está a provar agora é que podemos estar sozinhos mas fazemos parte do mesmo processo e não há energia que um de nós desencadeie que não tenha uma resposta do outro lado. E por isso essa rede de afectos que vamos construindo ao longo da vida é natural. Como diz a canção brasileira, “ninguém é feliz sozinho”.
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Demasiadas luzes para tão pouca carne
Pior que o medo de nos desiludirmos é o medo de desiludirmos. Sobrevivemos à quebra de expectativas criadas quantos aos outros, mas somos capazes de soçobrar quando, aos olhos desses outros, nós próprios não correspondemos às suas expectativas. O que deveria ser uma consequência natural e possível dos mecanismos da interacção humana transforma-se num bloqueio relacional que nos devolve aos néones dos écrans, às redes sociais, a mais uma série com detectives, homicídios misteriosos e intrigas políticas. Sexo glorioso nos canais temáticos, emoções fortes nos melhores filmes do videoclube à distância de um clique no telecomando. Como se a vida não fosse de carne e osso, como se o medo da vida não fosse a sua absoluta negação.
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Sons de Cristal - Nel e a felicidade
Ontem, em Som de Cristal, provavelmente o melhor programa alguma vez feito sobre o Portugal profundo, um curto diálogo que é um tratado sobre a felicidade, a condição humana e a ascensão social neste cantinho à beira mar plantado:
"Bruno Nogueira - É feliz Nel?
(Nel Monteiro sorri e bebe mais um copo).
Bruno Nogueira insiste - É feliz Nel?
Nel Monteiro - Sou! Então quando eu andava lá na escravatura com 16 ou 17 anos alguma vez imaginei chegar onde cheguei? Tudo o que veio para além do zero veio por acréscimo."
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A caixa que lixou o mundo
Eva Herzigova, por Helmut Newton
A caixa que mudou o mundo ainda não parou de o mudar. Primeiro foi a novidade, ainda a preto e branco, e depois o fenómeno não mais parou de crescer. Hoje creio que há gente que já não vive sem as séries da moda ao serão, sem os amigos que fez na casa dos segredos ou nos diversos programas de candidatos a estrelas, os ídolos que outrora se encontravam nos amigos ou no progenitor passaram agora para o outro lado do ecrã. O prazer tem tantas vezes como fonte aquela caixinha mágica que só me espanta que não venha em forma de vibrador ou de boneca insuflável, conforme o caso. Gosto de televisão, sempre gostei, e creio que isso não irá mudar, mas para mim sempre a usei como um relaxante cerebral, não como fulcro da vida ou como objeto último da minha passagem pelo mundo. Como sempre, trata-se de não confundir a obra-prima do mestre com a prima do mestre de obras. O que não parecendo difícil acaba por não ser fácil.
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Vá, agora já chega, deixem o Eusébio finalmente descansar
Agradeço do fundo do coração a Eusébio tudo o que deu ao futebol nacional, toda a visibilidade que deu a Portugal numa época em que este cantinho era ainda mais pequeno do que hoje é, todo o orgulho que ontem sentimos quando vimos o mundo curvar-se perante um dos nossos, dos nossos melhores de sempre. Mas já chega, não me parece bem que se (des)gaste mais o nome e as histórias do Eusébio, ele próprio deve querer descansar e finalmente ter um pouco de paz, de verdadeira paz. Não quero ver mais altos representantes da nação burilarem palavras lustrosas em bocas contorcidas por uma dor que parece sempre demasiado aprimorada, não quero ver mais declarações oficiais de partidos políticos sobre questões que me parece não deviam entrar nesses foros, não quero mais 3 dias de luto nacional, não quero mais entrevistas estafadas, repetitivas, redundantes a mais cidadãos que empunham um cachecol, verde, vermelho ou azul, não quero ver os habituais paineleiros desportivos a espremerem-se todos para encontrar mais um episódio interessantíssimo da carreira do Eusébio, não quero sequer pensar no que sentem os familiares dos 8 bombeiros que nem um minuto de luto nacional mereceram, não quero assistir à decadência mental de Mário Soares quando se lembra de, no único dia em que não o podia lembrar, que Eusébio não era um oráculo de cultura ou de que Eusébio gostava de whisky de manhã e não recusava um cálice pela tarde. O que é demais é demais, deixem o Homem descansar.
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Scully, FBI agent Scully - bateu uma saudade dos X Files
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We can´t have it all
Ainda me lembro dos tempos em que a televisão tinha o aspecto de mais um móvel acolhedor e eterno, das intermináveis viagens entre o sofá e os botões do som ou dos canais que isso do zapping era conversa do futuro. Infelizmente, não me recordo nada de raparigas semi-desnudas e de lingerie sexy a pouparem-me as viagens entre o sofá e os botões da ancestral caixa mágica. Não se pode ter tudo.