Bolas e Letras
Era para ser sobre futebol e livros. Mas há tanto mundo mais, a mente humana dispersa-se perdidamente, o país tem tanto sobre que perorar, eu perco-me de amores bem para lá da bola e das letras: Evas, vinho, amor, amigos, cinema, viagens, eu sei lá!
O tempo da falta de tempo
A arte do sentimento teima em desacompanhar a sucessão vertiginosa de acontecimentos, de exigências, solicitações, expedientes, prazos e tarefas que se atropelam. A vida recusa olhar-se no espelho, ter tempo para o autoconhecimento. Os dias fogem por entre os dedos, não como grãos de areia que, ainda assim, apresentam alguma doce lentidão na sua queda modorrenta, mas como cataratas de água pesada como chumbo. Por entre os afogamentos de sensações perece a empatia, definha a capacidade de olhar e amar o outro, o vulgar outro e o Outro que tudo sempre foi para nós, mas que a vida teima em encostar nas vielas da falta de tempo. Como se a voracidade do tempo fosse mais forte do que nós. Será? Ou será este soçobrar perante a corrida destemperada dos ponteiros do relógio uma mera distração, o deixar-nos levar pela corrente sem sequer tentar nadar no sentido contrário desse silencioso turbilhão? Voltar a saber amar é saber parar o tempo, recusar a escravidão dos supostos “tempos modernos”, os tempos da falta de tempo. Olhar, parar, recusar ir na onda. Viver. Amar.
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Formiguinha, formiguinha...é isto que buscas para a tua vida?
O Bolas não morreu, o Bolas nunca morrerá, pois viverá sempre nos nossos corações. Adoro clichés bacocos, não tanto quando adoro que me digam que têm saudades do Bolas. Sim, a puta da falta de tempo, sim, o trabalho perdido por entre urgências várias, sufocado por entre a voracidade das necessidades que se multiplicam como parasitas incómodos nos cabelos do meu desgraçado filho, contaminado por crianças a quem os pais não tiveram tempo de aplicar o shampoo anti-piolhos, porque a voracidade dos seus dias não lhes permite aquela meia hora de pausa em que o shampoo faz o seu mortífero trabalho. Corremos incessantemente, dedilhamos e-mails nervosos e repletos de gralhas, a perfeição já foi, hoje é a velocidade que conta, a sede de dados e inputs, reportes e pontos de situação, todo esse emaranhado de dados desconexos que nunca alcançarão o estatuto de informação hão-de satisfazer alguém, uma eminência impecavelmente engravatada na sua torre de marfim onde o sexo dos anjos não se discute, alguém que pensará que o seu dia foi imensamente produtivo, mesmo que nada de digno seja produzido pelas suas formiguinhas hiperativas. A imagem que encima este post de saudades dos tempos em que o Bolas de quando em vez tinha tempo para respirar é da cidade de Norilsk, na Rússia, fundada em 1935 como um gulag, situada a cerca de 240 km a norte do círculo polar ártico. O tempo parado, a doce indolência das crianças. Pergunto-me se as crianças terão de emigrar para Norilsk para terem tempo de ser crianças. É isto que queremos para nós e para os nossos filhos?
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Até ao dia
Hoje, bem cedo pela manhã, o sol, o rio com o brilho único que lhe empresta o astro rei, o vento a bater na face, nada a pensar, só pedalar, mais vento, o rio calmo e aconchegado na modorra daquele calor morno. Nunca temos tempo para nada, alegamos em defesa da nossa vida sedentária. Até ao dia em que decidimos que queremos mesmo ter tempo. Vejam lá isso!
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Um país invariavelmente atrasado
Estava para aqui a refletir sobre este grande mal lusitano que é chegar atrasado a todo o lado, achar isso muito normal e, das duas uma, ou não ligar pevide a quem esteve à espera e não pedir desculpa, ou apresentar uma qualquer desculpa esfarrapada que por vezes cai pior do que a ausência de desculpa nenhuma. Eu, doente, me confesso. Não chego atrasado e, para não ter desculpas (trânsito, afazeres de última hora, uma nódoa na camisa, etc. e tal) quase sempre chego adiantado a todos os compromissos, reuniões eventos e outros que tais. Estou plenamente convencido que o país não vai melhorar enquanto esta questão não mudar. Acredito que isto é uma questão de educação (pais, educar é dar o exemplo!), que as pessoas continuam a atrasar-se porque não sabem gerir-se, porque este é um maldito hábito entranhado, que faz perder horas, organização, capacidade de ser produtivo. Pode dar-se o caso de ser eu que sou doente, mas era capaz de apostar que neste caso em concreto estou eu certo e o resto do mundo errado.
p.s. – A foto é só para vos dizer que olhar para o relógio pode ser sexy e não é sinónimo de serem uns atormentados burocratas!
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O tempo do fim do tempo
Querer ter tempo para escrever e não o ter. Desejar uma tarde sem a pressão dos ponteiros, só para contemplar o rio, a calma enervante de um pescador sem horas, mergulhar nas horas sem tempo, sem princípio e sem fim. Uma suave sensação de paz, instigadora de sorrisos de amena felicidade. Nada mais que isso, apenas isso. É preciso tão pouco.
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A falta de tempo, a Irina, a Laetitia...
Sim, voltou o tempo em que não há tempo para escrever, refletir e afins. Quando o tempo escasseia a vida perde alguma beleza, porque quase sempre a falta de tempo deriva de situações pouco dadas às belezas do mundo e da humanidade. Quando assim é nada como recorrer à beleza. Não há tempo, mas há felizmente a Irina, a Laetitia, and so on and so on...podemos não ter tempo, mas convém manter a pestana aberta, minhas queridas amigas e meus diletos amigos.
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Boca na botija
Estou sem tempo, minhas caras amigos e meus estimados amigos. Quando se está sem tempo e se tenta fazer algo que não encaixa nessa minúscula janela temporal geralmente sai boçalidade inocente ou asneira da grossa. Nesta fase vou tentar limitar-me ao primeiro estádio da coisa, o da boçalidade, mas nada posso prometer, pois a fronteira entre os dois hemisférios é fina como um frágil lago de gelo no final do Inverno, exposto aos primeiros raios de sol da Primavera...
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O tempo do fim do tempo
Arte por Jean-Yves Lemoigne
Por mais que procuremos fugir dele sabemos que nunca deixará de nos encontrar, que a nossa derrota pertence ao mundo das certezas inabaláveis. Sabemos que o seu invisível peso é esmagador, que a incerteza com que se entretém em desenhar o nosso último segundo é a chave para a masmorra onde aprisionou esse poder silencioso. A ampulheta dos nossos sonhos desistiu de abraçar em desespero os venenosos ponteiros, os guardiões da sua caixa negra. O fim do tempo é meramente o fim da boleia que o tempo nos dá, novos viajantes se seguirão, as angústias que os aguardam são inúteis mas inevitáveis como o tempo que se esgota.
Tic tac tic tac.
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O fiel companheiro
Beber um copo, ler um livro, saborear um prazer sem sentir o peso das horas, sem nos submetermos à tirania dos ponteiros que nos conduzem à próxima paragem, ao compromisso seguinte. O tempo deveria ser um fiel companheiro que nos permitiria organizar a vida, não o dono e senhor dos nossos dias, horas, minutos, segundos, um tiranete que nos esvazia a liberdade de fazer com o tempo o que dele queremos, como que um túnel que nos suga para o interior de uma ampulheta com paredes de grades. Não sei qual foi o exacto momento em nos sujeitámos a deixar de dispor do nosso tempo para que ele passasse a dispor de nós, sei que esta melancólica submissão, por mais sentidos e utilidades que tenha, não pode ser mais importante que a nossa felicidade. Olhemos para o relógio: ainda vamos a tempo de ser felizes?
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Um mundo ao contrário
Os días sucedem-se alucinantes na velocidade com que nos esmagam. O que ontem era assumido hoje esfumou-se na urgência imprevista, na incontornável obrigação de decidir em segundos, como se a melhor decisão fosse aquela que recrimina a ponderação e o tempo para a maturar. Abominam-se os estados de espírito estáveis. Se hoje sentimos o mesmo que ontem somos seres enfadonhos e tristemente previsíveis. Odiar hoje o que amámos ontem é o pão nosso de cada dia e o incrível vice-versa a manteiga que amolece o pão que o diabo amassou. Os beijos ontem desejados estilhaçaram-se nas 24 horas que passaram, deles resta apenas uma ténue neblina de esquecimento que estende um manto sobre almas e corpos que se atropelam, aglomerados de juízos e contra-juízos em circuitos entrecruzados onde só a permanente violação dos limites da reflexão e do sentir é consentida. Um mundo ao contrário.